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Como andam as emoções no mundo?

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Tempo de leitura: 6 min.

Recentemente, em 2020, a Consultoria Gallup divulgou uma pesquisa bastante curiosa: Qual é a temperatura emocional do mundo? foi realizada em sequência a outra, realizada em 2012 – Como andam as emoções ao redor do mundo? Quais os países que são mais (ou menos) “emocionais”?

Desde 2009, a empresa de sondagens Gallup pesquisou pessoas em 150 países e territórios e, entre outras coisas, sua experiência diária emocional. Ekman (2011) já citava que os estados emocionais dos ocidentais diferem dos orientais, entretanto, a pesquisa feita pela Gallup foi além disto, pois tentou aprofundar ainda mais tal percepção.

Na versão mais recente da pesquisa, o instituto dividiu seu mapeamento pelas emoções básicas. Então, antes de tratar da pesquisa, vejamos o que são emoções.

 

O que são emoções? As dificuldades em definir fenômenos complexos

Antes de propor uma definição para as emoções, é necessário explicitar que é um tema bastante polêmico e extremamente complexo. Quanto mais complexo é um fenômeno, mais difícil é defini-lo pelo simples fato de que nossa linguagem é categorial [qualquer linguagem humana é] e o fato de expressarmos a definição em uma linguagem significa dividi-la em partes e por meio das relações sintáticas entre as palavras, descrever as relações que desejamos destacar. Essa é uma das dificuldades em definir qualquer coisa. Como, por vezes, não dá para mencionar todas as partes, entra uma análise de relevância. Essa é uma das origens das discordâncias epistemológicas quando analisamos definições. Com as emoções não seria diferente…..

Dito isso,  Coppin e Sander (2021) apresentam a seguinte proposta:

Uma definição consensual que emerge de uma análise da literatura é a seguinte: uma emoção é um “processo rápido, de duas etapas, focado no evento, que consiste em (1) mecanismos de eliciação de emoções baseados em relevância que (2) moldam uma multiplicidade de respostas emocionais (ou seja, tendência à ação, reação automática, expressão e sentimento)” (Sander, 2013, p. 23).

Não estou seguro se essa definição é tão consensual assim, mas é uma afirmação dos autores para vender o peixe. Eles são da opinião que uma boa forma de compreender esse complexo fenômeno é encara-lo como multicomponente, que envolve diversos processos e funções biopsicológicas como a memória, a percepção, a cognição, o uso da linguagem etc. Coppin e Sander (2021, p.6) argumentam:

As três principais [famílias de] teorias sobre emoções – emoções básicas, dimensional e avaliação – todas descrevem a emoção como um fenômeno com múltiplos componentes (isso não é uma ideia nova; ver, por exemplo, Irons, 1897). Essa perspectiva, tipicamente, caracteriza a emoção em termos de cinco componentes: (1) expressão, (2) tendência de ação, (3) reação corporal, (4) sentimento e (5) avaliação. Esta abordagem de múltiplos componentes provou ser útil não só para conceituar (Sander, Grandjean, & Scherer, 2005), mas também para medir (Mauss & Robinson, 2009) emoções. [grifos nossos]

Então, partindo dessa definição ou da sua composição, percebemos o quanto é difícil capturar toda a riqueza do fenômeno emocional. é como uma espectro de cores para as quais temos uma sensibilidade mas que continuam existindo elementos [cores] que não enxergamos a olho nu…. Conforme vamos acrescentando mais componentes às definições das emoções é como se pudéssemos ver outras cores. Entretanto, ainda que não sejamos capazes de “ver” cientificamente, as “cores” estão lá….. Não vemos os raios ultravioleta, mas sentimos os seus efeitos em nossa saúde…. 

Então cuidado! As família de Teorias de Emoções Básicas são apenas uma abordagem sobre o tema. Então se você gosta dos escritos do Dr. Ekman deve saber também que  as Teorias de Emoções Básicas são relacionadas à Psicologia Evolutiva e que existem outras alternativas para a compreensão desse complexo fenômeno e que muitos trabalhos científicos da década de 90 e dos anos 2000 sobre emoções vêm sofrendo muitas críticas por parte da comunidade científica. É um alerta importante a ser feito.

Além disso, a forma como temos acesso ao conteúdo sobre como as pessoas se sentem é, principalmente, pelo uso da linguagem. Então as operações semióticas [e a sintaxe de uma linguagem] são fundamentais para essa expressão. Entretanto, o que uma pessoa fala sobre o que está sentindo não é a emoção, é uma das respostas emocionais. É a sua experiência subjetiva com a emoção…… Não é o fenômeno como um todo.

Então, sob essa ótica, podemos argumentar que o Gallup investigou a experiência subjetiva das pessoas e a sua expressão, que estão sujeitas a diversos fenômenos que podem promover distorções interpretativas, e não as emoções em si.

Esse é uma forma mais equilibrada de entender essa pesquisa “as emoções no mundo”. Na verdade, o título da pesquisa deveria ser os sentimentos das emoções no mundo. Denominamos de sentimentos à experiência subjetiva e narrativa das pessoas sobre a emoção.

 

A pesquisa Gallup de 2012 sobre as emoções [sentimentos] no mundo

 

emoções no mundo

Mapa das emoções

A Contra Costa Times delineou o resultado desta pesquisa, apesar de resumida, vamos dar uma olhada nos resultados que foram gerados a partir de 5 perguntas para 150 pessoas em diferentes países. Para mim é incrível achar que se pesquisa emoções de verdade assim, não é?……. 5 perguntas feitas para 150 pessoas de um país vai representar toda uma população…. é assim que os mitos nascem baseados em pseudociência.

O país “menos emocional” considerado foi Cingapura. Uma das razões para isso seria que a neutralidade emocional é utilizada no combate ao estilo de vida estressante nos centros urbanos.

O “posto” de primeiro lugar ficou com as Filipinas (como o país mais emocional do mundo), com El Salvador em segundo lugar.

Interessante que a pesquisa aponta que os países menos emocionais no mundo são os maiores consumidores de cigarros e álcool.

Pelo mapa, o Brasil está destacado como um dos mais emocionais (pelo gráfico, apesar de perdermos para alguns vizinhos nossos), entretanto, isto já percebemos (o Brasil já possui a fama de ser um povo festivo e receptivo), interessante, não acham?

 

A pesquisa Gallup de 2020 sobre as emoções [sentimentos] no mundo

Essa pesquisa foi conduzida diferentemente da anterior. Foram criadas categorias para que as pessoas fossem mais específicas ao responder. Essas categorias foram (Gallup, 2022): (1) raiva; (2) tristeza; (3) estresse; (4) preocupação; (5) dor física; (6) relaxamento; (7) aprendizagem; (8) percepção de respeito.

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Pesquisa Gallup – 2020- Raiva

No mapa acima, a representação sobre a manifestação sobre a raiva pelos países. O valor desse tipo de pesquisa, se tomados os cuidados anteriormente mencionados, é muito grande no sentido de:

(1) compreender como as pessoas se expressão sobre determinada emoção em diferentes culturas;

(2) mapear as diferentes formas de expressão sobre as emoções no mundo;

(3) mapear a expressão subjetiva sobre a intensidade com que as emoções são percebidas, no contexto das diferentes forma de expressão intercultural de emoções similares.

Fica clara a opção por uma teoria de emoção básica para a pesquisa realizada pelo Gallup. As Teorias de Emoções Básicas partem do pressuposto [todos passíveis de questionamento] de que existe um núcleo emocional que evoluiu dos primatas para os seres humanos. Ekman (1999, p.56) levanta 11 critérios para uma emoção ser considerada básica. Entre eles: (1) é um sinal universal distinto; (2) está relacionada com uma fisiologia emocional específica; (3) possuiu um mecanismo automático de avaliação; (4) está presente em outros grandes primatas.

Se consideradas outras “famílias” de Teorias sobre Emoções, a complexidade do trabalho científico aumenta consideravelmente, principalmente pela consideração das diferenças culturais e no funcionamento do Sistema de Self (Freire & Branco, 2016) que influenciam nas análises. Então, é compreensível a escolha metodológica e teórica do Gallup. Mas fica o alerta para o nosso leito. O tema pode ser visto em diferentes níveis de complexidade e essa abordagem é a mais simples possível….. 

Até a próxima,

Sergio Senna

 

Artigo inicialmente publicado, em 10 de dezembro de 2012, por Edinaldo Oliveira. Foi atualizado e ampliado, em 31 de março de 2022, por Sergio Senna.

Veja o Global Happiness Center

 

Referências

Coppin, G., & Sander, D. (2021). Theoretical approaches to emotion and its measurement. In Emotion measurement (pp. 3-37). Woodhead Publishing.

Ekman, P. (1999). Basic emotions. Handbook of cognition and emotion98(45-60), 16.

Ekman, P. (2011) A linguagem das emoções. SP: Lua de Papel.

Fisher, Max. A color-coded map of the world’s most and least emotional countries. The Washington Post. Disponível em https://www.washingtonpost.com/news/worldviews/wp/2012/11/28/a-color-coded-map-of-the-worlds-most-and-least-emotional-countries/. Acesso em 29 de março de 2022.

Freire, S. F. D. C. D., & Branco, A. U. (2016). A teoria do self dialógico em perspectiva. Psicologia: Teoria e Pesquisa32, 25-33.

Irons, D. (1897). The primary emotions. Philosophical Review, 6, 626–645.

Mauss, I. B., & Robinson, M. D. (2009). Measures of emotion: A review. Cognition & Emotion, 23, 209–237.

Sander, D. (2013). Models of emotion: The affective neuroscience approach. In J. L. Armony & P. Vuilleumier (Eds.), The Cambridge handbook of human affective neuroscience (pp.5–53). Cambridge: Cambridge University Press.

Sander, D., Grandjean, D., & Scherer, K. R. (2005). A systems approach to appraisal mechanisms in emotion. Neural Networks, 18, 317–352.

 


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Como citar este artigo?

Formato Documento Eletrônico (ABNT)

PIRES, Sergio Fernandes Senna. Como andam as emoções no mundo?. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Disponível em < https://ibralc.com.br/como-andam-as-emocoes-no-mundo/> . Acesso em 24 Apr 2024.

Formato Documento Eletrônico (APA)

Pires Sergio Fernandes Senna. (2022). Como andam as emoções no mundo?. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 24 Apr 2024, de https://ibralc.com.br/como-andam-as-emocoes-no-mundo/.

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2 comentários em “Como andam as emoções no mundo?”

  1. Olá Edinaldo. Postagem bastante interessante.

    Eu acho que vale um alerta para os nossos leitores no sentido de que a experiência de uma emoção pode não ter relação direta com a forma que uma pessoa a expressa.

    Esse é um assunto que é dúvida geral dos alunos e aparece em todas as minhas aulas.

    Acho que os trabalhos do Dr. Ekman, nesse ponto, ajudam a confundir o entendimento daqueles que não se aprofundam no estudo das emoções.

    Uma coisa é reconhecer as emoções no rosto, outra é entender suas razões e a profundidade da experiência emocional de alguém.

    Quando Ekman e seus colaboradores propuseram o F.A.C.S., a primeira intenção foi que esse sistema servisse como um referencial descritivo do movimento facial. Eles criaram um código para cada movimento e uma escala de intensidade (de A até E). Então um sorriso pode ser codificado como 12D (Zigomático Maior – intenso – puxa o canto da boca para trás e para cima), por exemplo.

    É importantíssimo notar que a letra associada se refere à INTENSIDADE DA CONTRAÇÃO MUSCULAR e não à intensidade da experiência emocional das pessoas.

    Vejo gente tentando fazer essa relação e dizendo que o F.A.C.S. permite chegar à conclusão sobre a profundidade da experiência emocional, o que não é verdade.

    Nossas emoções consistem de percepção (de estímulos externos ou internos), de ativação em nosso corpo e de experiências subjetivas. As principais teorias sobre emoções concordam com esses três elementos, divergindo quando eles ocorrem e qual precede o que.

    Essa vivência emocional depende de processos básicos, como a percepção, mas também depende de processos superiores como a atenção voluntária. Você pode prestar atenção em algo que aprendeu ser importante, por exemplo.

    É por esse motivo que percebemos cenas de forma diferente. Além disso, nosso sistema normativo orientará a produção de significados de forma diversa, lembrando que existe uma versão coletiva desses princípios, chamada de cultura coletiva, e uma versão pessoal de tudo isso fruto da internalização reconstrutiva das crenças, valores e informações aprendidas durante a vida (por isso temos diferentes interpretações, mesmo dentro do mesmo grupo cultural).

    Então, fica o alerta para os nossos leitores no sentido de não pensarem que os “alemães e japoneses” se emocionam menos do que nós. ELES PODEM DEMONSTRAR MENOS, mas a experiência emocional de um ser humano é compreendida apenas por ele (por vezes nem o próprio sujeito é capaz de expressar) e Deus!

    Bela postagem.
    Um abraço
    Sergio Senna

    1. Olá Dr. Sérgio,

      Excelentes considerações. Acredito que algumas variáveis foram esquecidas no estudo, abrindo precedente para possíveis questionamentos acerca dos resultados (seus comentários dariam bons questionamentos).

      Entretanto, como comentei em outro artigo, acho que o que vale aqui é repassar este tipo de pesquisa, para que os leitores tomem ciência do que esta ocorrendo, em termos de pesquisa, no mundo.

      Abraço,

      Edinaldo Oliveira

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