A Face das Emoções

Divulgue e opinie

Antes de tratarmos das emoções básicas, vejamos como a forma mais recente de estudar e de ganhar uma visibilidade acadêmica sobre as emoções é descrevê-las pelo que chamamos de respostas emocionais. Ninguém conseguiu, de fato, definir satisfatoriamente o que são emoções. Sabe-se que elas participam do sistema motivacional, que se entrelaça aos significados e aos elementos semióticos que orientam os nossos processos decisórios (Branco, 2018, 2021).

O que são emoções?

Richard Lazarus (1991), há tempos, escreveu um artigo onde apresenta suas ideias sobre o que considerava serem os requisitos para uma boa teoria sobre emoções. Até hoje esses questionamentos ou requisitos continuam válidos, até mesmo para termos uma ideia sobre os desafios que devem ser enfrentados por quem deseja estudar e criar uma teoria sobre emoções. Os requisitos levantados por Lazarus são:

(1) definição de emoção;
(2) a distinção entre emoção e não-emoção;
(3) as emoções são ou não discretas?
(4) o papel das respostas emocionais como a ativação fisiológica e a tendência para agir;
(5) a forma como as emoções são interdependentes entre si e influenciam o processo decisório;
(6) as relações entre cognição, motivação e as emoções;
(7) a integração entre os processos e funções biológicos e socioculturais da emoção;
(8) o papel da consciência e da avaliação;
(9) o que dá origem às emoções;
(10) o desenvolvimento emocional;
(11) os efeitos das emoções na qualidade de vida e no “funcionamento” psicológico das pessoas; e
(12) as emoções no contexto clínico e psicoterápico.

Muitas dessas questões ou aspectos levantados por Lazarus revelam a natureza privada dos fenômenos emocionais.  São fruto da imbricação de diversos processos e funções psicofisiológicas. O que podemos observar são os resultados parciais – as respostas emocionais.

Quais são as principais respostas emocionais? (Coppin & Sander, 2021)

Então, quando alguém afirma que uma expressão facial ou que ativação fisiológica é uma emoção, isso não está perfeitamente correto. São respostas emocionais, é o que conseguimos observar de um fenômeno muito mais amplo: as emoções.

Não devemos, portanto, reduzir as emoções às suas respostas….

Existem emoções básicas?

Existem emoções básicas? Essa é uma grande questão. O interesse sobre as emoções faz parte da existência humana. No entanto, falamos sobre isso e não sabemos direito o que é. Apesar de haver pouca concordância entre as diversas teorias sobre emoções, pode-se dizer que trata-se de uma experiência subjetiva, associada à ativação fisiologia é à motivação para agir. A própria palavra tem, em várias línguas, uma origem ligada à ação.

Existem diversas abordagens para definir o que seriam “emoções básicas”. A partir dessa primeira dificuldade, surgiram diversas listas ou formas de levantar quais seriam. Ortony e Turner (1990) elaboraram um quadro sobre isso:

Emoções Básicas

Não há dúvida que, ao experimentarmos uma emoção, ocorre uma ativação de nosso sistema nervoso que recebe significado pela nossa experiência subjetiva. Quanto a esse aspecto, discute-se, à exaustão, o momento[mfn]Para ver maiores detalhes sobre o tema, procure conhecer o debate entre as teorias de Cannon-Bard e James-Lange.[/mfn] em que ocorrem: se antes, durante ou depois da experiência subjetiva (Barrett, & Westlin, 2021).

Recentemente, Ortony (2022) atualizou a sua lista de teorias sobre emoções básicas:

ibrale-emocoes-basicas-ortony

As emoções básicas são aquelas consideradas componentes de emoções mais complexas (Ekman, Sorenson & Friesen, 1969). Paul Ekman, por exemplo, defende esse modelo. Segundo esse ponto de vista, as emoções complexas são construídas a partir das emoções básicas, que teriam a marca distintiva de serem transculturais. Até o presente momento, não foi possível demonstrar que essas emoções básicas são compartilhadas e percebidas da mesma forma pelos seres humanos, mas existem motivos para crer na razoabilidade da proposta. Ekman (1969) iniciou sua lista de emoções básicas, na década de 60, com seis delas (raiva, medo, alegria, surpresa, tristeza e nojo). Posteriomente, já nos anos 90, ampliou a quantidade de emoções básicas (Ekman, 2000).

Então, a pergunta que motivou essa seção permanece em aberto….

 

Breve histórico do estudo das emoções básicas

Charles Darwin, em 1872, no seu livro As Expressões das Emoções no Homem e nos Animais pontuou a possibilidade de que haveria uma relação entre certas emoções e as expressões faciais. Como esperado de um evolucionista, suas observações se dirigem no sentido de tentar demonstrar a existência de emoções básicas que estão diretamente ligadas ao nosso sistema nervoso autônomo. Depois desse livro, que serviu de marco e inspiração para diversos outros pesquisadores, muito se avançou no estudo do tema.

O Dr. Paul Ekman é uma das autoridades no assunto e conduziu pesquisas acadêmicas nesse campo desde a década de 50. Seus achados indicam a existência de uma relação entre as expressões faciais que revelam sete emoções básicas: medo, surpresa, alegria, raiva, desprezo, nojo e tristeza.

Não obstante o gigantesco trabalho do Dr. Ekman, muitos outros pesquisadores colaboraram para o avanço das teorias de emoções básicas e vale mencionar e homenagear esses pioneiros do estudo das emoções na Psicologia:

    • William James (1884);
    • William MacDougall (1908);
    • John Watson (1930);
    • Robert Plutchik (1960)
    • Magda Arnold (1960);
    • Silvan Tomkins (1962).

 

Abordagens Evolucionistas e Culturalistas

Muitas abordagens que hoje conhecemos foram construídas com base na oposição conceitual umas das outras. Nesse embate de teorias, existem duas grandes perspectivas sobre a origem das emoções. A primeira, defende que as emoções são produtos da seleção natural, que evoluiu de adaptações de nossa espécie ao longo do tempo. A segunda, afirma que as emoções são socialmente construídas e variam nos limites das possibilidades culturais humanas (Markus & Kitayama, 1991).

Existem Emoções Básicas

Os estudos hoje disponíveis mostram evidências de ambas as perspectivas. As teorias evolucionistas atribuem o rótulo de “básicas” a algumas emoções, ocorrendo considerável concordância sobre a existência de uma certa quantidade de emoções nesta categoria. Os culturalistas, por sua vez, atribuem a primazia da construção cultural sobre qualquer base biológica.

Para uma abordagem mais equilibrada deve-se tomar cuidado com as paixões dos teóricos e perceber que há sentido tanto nas abordagens evolucionistas, quanto nas culturalistas. Sob esse ponto de vista, evitamos dividir o debate em dois blocos que se opõem.

Na verdade, nossas emoções tanto são fruto de evolução, quanto da construção cultural. A própria diferença entre as emoções básicas e complexas não é estrutural. Até onde se conhece, todas as emoções funcionam de forma semelhante.

 

Críticas às teorias de emoções básicas

Recentemente, as Teorias de Emoções Básicas vêm sofrendo uma série de críticas. Por exemplo, Cohen (2005) argumenta que:

De acordo com a literatura recente no campo da Filosofia e Psicologia, existe um conjunto de emoções básicas que foram preservadas ao longo da evolução porque servem (ou serviram) a funções adaptativas. No entanto, a evidência empírica falha em apoiar a afirmação de que existem emoções básicas porque não mostra que as emoções podem ser identificadas com funções específicas. Além disso, o trabalho sobre emoções básicas carece de espaço conceitual para levar em conta a experiência emocional e, portanto, não chega a ser uma teoria adequada da emoção: na literatura, as emoções básicas são identificadas com as (chamadas) respostas emocionais, mas essas respostas – mesmo que existiam como caracterizados – não são emoções. Dito isto, descobertas empíricas recentes sobre as estruturas cerebrais responsáveis ​​pelas respostas emocionais, descobertas que são frequentemente citadas na literatura sobre emoções básicas, no entanto, formam a base para uma teoria abrangente da emoção – uma teoria amplamente jamesiana em que uma emoção é a experiência e interpretação de uma resposta fisiológica anterior.

As dificuldades conceituais se multiplicaram nos últimos anos. Mas, a despeito do debate que se possa realizar sobre a universalidade das expressões faciais e sua vinculação à ocorrência de determinadas emoções, é indiscutível que há uma regularidade na dinâmica da face, pelo menos dentro de um mesmo grupo cultural.

Recentemente, Ortony (2022) também expõe os problemas que persistem em relação às teorias de emoções:

Apesar de décadas de desafios à ideia de que um pequeno número de emoções goza do status especial de “emoções básicas”,
a ideia continua a ter uma influência considerável na Psicologia e além. No entanto, diferentes teóricos propuseram listas substancialmente diferentes de emoções básicas, o que sugere que não existe um critério estável de basicidade. Até certo ponto, o empreendimento das emoções básicas é atormentado por uma dependência excessiva dos termos afetivos da Língua Inglesa, mas há, à espreita, um problema mais sério – a falta de acordo sobre o que são as emoções. Para resolver este problema, três as condições necessárias são propostas como um requisito mínimo para que um estado mental seja uma emoção. Uma análise detalhada de surpresa, uma emoção básica amplamente aceita, revela que a surpresa viola até mesmo esse teste mínimo, levantando a possibilidade que ela e talvez outras emoções básicas em potencial podem não ser emoções. (p. 1 – grifos nossos)

No entanto, mesmo as crianças aprendem rapidamente a diferenciar um sorriso falso de uma manifestação genuína de alegria ou a reconhecer quando uma pessoa quer encobrir uma emoção ou alguém quando está mentindo. Isso é aprendido de forma assistemática e intuitiva, como a maior parte do conhecimento prático que utilizamos para interagir com as outras pessoas. Na verdade, existem diversas formas de sistematizar e de utilizar esse conhecimento que adquirimos de forma intuitiva em prol da melhoria de nossa comunicação.

Por outro lado, faz muito sentido buscar uma teoria de emoções que seja mais compreensiva e que inclua não somente os processos psicológicos mais básicos e as funções fisiológicas humanas. Pode até ser mais fácil estudar um fenômeno complexo nesse enquadramento, mas com certeza muito ficará de fora.

A experiência emocional subjetiva [sentimentos], por exemplo, se dá quando a pessoa consegue transformar a sua vivência emocional em signos linguísticos e consegue, portanto, dar sentido ao que está experimentando. Isso só é possível com uso de funções relacionadas com o pensamento e a linguagem, o que nos mostra a articulação entre os processos básicos e os superiores.  

Um dos problemas mais relevantes nas teorias de emoções básicas é o aparente “crescimento descontrolado das emoções que se enquadram como “básicas”, Sobre isso Ortony (2022) nos alerta:

[…] emoções básicas supostamente compartilham, as mais importantes e distintivas e reconhecíveis expressões faciais universais . Usando seus critérios, Ekman identificou seis emoções básicas que se tornaram o conjunto padrão, um conjunto que Keltner et ai. (2019) referido como as “seis básicas”: raiva, medo, alegria, tristeza, nojo e surpresa. Mas enquanto propondo estes, Ekman também permitiu a possibilidade de que desprezo, vergonha, culpa, constrangimento, e admiração também pudessem ser básicas e, mais recentemente, Ekman e Cordaro (2011) especularam que mais de uma dúzia outras emoções, principalmente positivas, podem vir a satisfazer (a maioria ou todos) os critérios de Ekman para serem básicas emoções. Da mesma forma, Keltner e colegas, trabalhando em o contexto do que eles chamaram de teoria básica da emoção (BET), compilaram o que parece ser um lista de emoções (24 no momento da redação deste texto) que expressões multimodais distintas, a sinalização universal cujo valor parece ser seu critério implícito para basicidade. (p. 3 – grifos nossos)

Os problemas teóricos, então, são muito mais sérios do que se pode imaginar e merecem reflexão profunda da nossa parte.

 

A necessidade de uma Teoria Geral

Existem Emoções Básicas

Como se pode notar, não foi possível estabelecer, até o momento, uma teoria geral para as emoções. Não obstante a divergência teórica, alguns aspectos podem ser pontuados como comuns.

De forma geral nessas teorias, os sentimentos são considerados os resultados da emoção e fazem parte da experiência subjetiva da pessoa. Quando experimentamos um sentimento, podemos realizar alguma ação, como fugir ou lutar (comportamentos que podem estar relacionados com o medo, por exemplo).

Entretanto, não se deve confundir as emoções em si (um fenômeno complexo) com as dimensões que as compõem ou com as suas respostas. Qualquer redução de nossas emoções às dimensões que as compõem diminui a beleza dessa experiência humana e dificulta a sua inteligibilidade. Observe que muitas das teorias surgem diretamente da eliminação de uma ou outra dimensão ou da predominância de uma delas.

A real dificuldade que temos é escapar da paralizante dicotomia entre evolução e cultura para abrir nossas mentes a modelos híbridos e mais complexos, onde ambas as abordagens encontrem espaço.

 

As questões intrínsecas às teorias evolucionistas e às neurociências

Algumas coisas viram moda de tempos em tempos. teorias evolucionistas já fizeram muito sucesso, mas parece que deram uma arrefecida. Neurociências também já estiveram no topo das preferências, mas agora as coisas estão entrando numa normalidade.

Penso que esse tipo de abordagem faz bastante sucesso de vez em quando porque as formulações teóricas fazem sentido para o senso comum. De forma geral, defendem que existe algum processo ancestral ou alguma estrutura orgânica que é responsável por algo que acontece no comportamento….

Então, o senso comum se sente seguro. É como se fosse confortável saber que existe um instinto e a gente não pode correr dele. São explicações lógicas. Entretanto, sem querer generalizar, esses processos ancestrais, inatos, universais ou essas estruturas orgânicas acabam criando a sensação confortável de que alguém não é tão responsável pelo seu comportamento…. Afinal, tem aquele processo lá, está relacionado com o Sistema Nervoso Autônomo…. então que responsabilidade e tenho de me sentir ou comportar de alguma maneira?

É muito semelhante a ter uma doença que é transmitida por um mosquito. Fiquei doente, mas foi um mosquito, eu não podia fazer nada….. Então, sob determinado ponto de vista, as explicações biológicas ou baseadas em processos psicológicos muito básicos esvaziam, em certa medida, a agência e a responsabilidade humanas. É por isso que eu gosto de analisar muito bem antes de sair mencionando alguma razão que diminua a nossa humanidade.

Artigo originalmente elaborado em 19 de abril de 2012. Revisado e ampliado por Sergio Senna em 27 de abril de 2022.

Ortony e sua visão sobre emoções básicas

Referências

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