A mentira pelas impressões cerebrais

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Será possível detectar a mentira pelas impressões cerebrais? Detectar mentiras é 100% seguro?

Não há como estar 100% seguro.

Essa é a afirmação que fazem Paul Ekman e muitos outros estudiosos do comportamento não verbal.

Esse é o motivo pelo qual existe pouco ou nenhum apoio para a utilização das técnicas de detecção de mentiras que utilizam a observação do comportamento não verbal em processos judiciais.

 

O que é a onda P300?

P300 é uma das ondas cerebrais que podem ser registradas por meio de eletroencefalograma (EEG), e representa uma resposta neural a estímulos específicos. Essa onda é chamada de “P300” devido à sua latência média de cerca de 300 milissegundos após a apresentação de um estímulo. Ela é uma onda positiva que ocorre tipicamente em regiões centrais do couro cabeludo.

mentira-e-impressoes-cerebrais-ibraleA P300 é frequentemente estudada em contextos de neurociência cognitiva e psicologia experimental, sendo utilizada para investigar processos cognitivos como a atenção seletiva, a percepção e a tomada de decisão. Por exemplo, a P300 é frequentemente utilizada em experimentos nos quais os participantes são apresentados a estímulos visuais ou auditivos, como flashes de luz ou sons, e são instruídos a responder a um estímulo específico, como um estímulo raro ou inesperado, com uma ação, como apertar um botão.

Portanto, a P300 é uma ferramenta valiosa para entender a atividade cerebral associada à percepção, atenção e processos de tomada de decisão. Ele tem aplicações em diversas áreas, incluindo a pesquisa em neurociência, psicologia cognitiva e aplicações clínicas, como a avaliação de funções cognitivas em pacientes com distúrbios neurológicos.

 

Será que teremos técnicas avançadas de detecção de mentiras em 10 anos?

A maioria dos cientistas que trabalham descobrindo métodos para detecção de mentiras se preocupa com os usos que outros podem fazer das técnicas desenvolvidas. A principal delas, quase centenária, é a detecção de mentiras pelo polígrafo. Conheça mais sobre o detector de mentiras, incluindo a detecção de mentiras pelas impressões cerebrais em matérias do portal.

À margem desses questionamentos, o neurocientista Lawrence Farwell vem fazendo todo o esforço para aperfeiçoar o que chamou de impressão digital do cérebro (brain fingerprints). Seu método concentra-se no acompanhamento de um padrão da atividade elétrica do cérebro, chamado de P300 , que é ativado quando uma pessoa reconhece um objeto familiar (Farwell & Donchin 1986, 1991; Farwell 1995a).

Esta técnica consiste em fornecer um conjunto de elementos que podem fazer parte da experiência visual de alguém. Se uma pessoa olha para imagens aleatórias de armas, por exemplo, e a onda P300 não é ativada, esses objetos são, presumivelmente, desconhecidos para essa pessoa. Mas, se a arma de um crime é mostrada e a onda P300 está ativa, então a pessoa tem claramente alguma experiência com essa arma.

Farwell afirma que esta técnica é usada para ver se as pessoas têm as informações armazenadas em seu cérebro ou não, o que está diretamente relacionado à detecção da mentira (pelas impressões cerebrais). Adverte, no entanto, que vislumbra um uso auxiliar para a técnica, já que é necessário mostrar, judicialmente, que o réu não teve outra experiência anterior (como assistindo um filme, por exemplo) com os elementos que eliciaram a onda P300 o que, em muitos casos, pode ser muito complicado de fazer.

Apesar de todas essas dificuldades éticas e jurídicas, a imprensa norte-americana divulga que a CIA tem utilizado essa técnica, mas ninguém sabe como essa agência de informações faz uso da técnica….

 

Detecção de mentiras pelas impressões cerebrais e suas implicações éticas e jurídicas

mentira pelas impressões cerebraisRecentemente, em uma corte de Iowa, nos Estados Unidos, um juiz admitiu que havia base científica suficiente para que fosse admitida como prova a favor de Terry Harrington, um assassino condenado que tentava conseguir um segundo julgamento. Farwell mostrou que Harrington não estava familiarizado com peças-chave da cena do crime e sim com o seu álibi, o que sugeria que ele poderia não ter cometido o crime. Entretanto, considerando todo o conjunto probatório, o juiz decidiu não conceder um segundo julgamento.

No sistema jurídico brasileiro, tal tipo de prova seria muito questionado e duvido que passasse pelo crivo do Supremo Tribunal Federal, pois a Constituição (inciso LXIII do art 5º) garante que ninguém é obrigado a produzir prova contra si (interpretação ampliada do direito de permanecer calado ou para mentir). Então, forçar alguém a fazer o teste seria, em tese, obrigar a pessoa a produzir essa prova, o que não é admissível em nosso território.

No Brasil, qualquer técnica de interrogatório que exija a colocação de aparelhos necessitará de profundas mudanças constitucionais (como envolve restrição a direitos fundamentais, isso somente poderá ocorrer na próxima assembleia constituinte) e em nossas leis penais, o que é muito improvável que ocorra no médio prazo.

Particularmente, não me sinto atraído por esse tipo de técnica que me parece ser um tipo de leitor de mentes digital. Os problemas éticos e jurídicos envolvidos são bastante complexos e me assusta que alguém possa ser responsabilizado por um crime com base nesse tipo de análise. É sempre bom lembrar que até mesmo o polígrafo ou detector de mentiras vem sendo questionado desde a sua criação. Apesar de mais de 80 anos passados a partir dos primeiros modelos operacionais, seu uso ainda é muito restrito e circunscrito a pouquíssimos países. O estatisticamente normal é a rejeição ao seu uso e à utilização da detecção da mentira pelas impressões cerebrais.

Será que é possível enganar o detector de mentiras?

https://youtu.be/unvsaD7M1sE

O que você acha da detecção da mentira pelas impressões cerebrais? Seria válido aplicar a qui no Brasil, uma vez feitas as mudanças constitucionais?

Deixe-nos o seu comentário.

Um abraço,

Sergio Senna

Artigo revisto e ampliado em outubro de 2023.

 

Referências

Farwell, L.A. (1995a) Method and Apparatus for Truth Detection, U.S. Patent 5,406,956, April 18, 1995.

Farwell, L.A. and Donchin E. (1986). The brain detector: P300 in the detection of deception. Psychophysiology 24:434.

Farwell, L.A. and Donchin, E. (1991). The Truth Will Out: Interrogative Polygraphy (“Lie Detection”) With Event-Related Brain Potentials. Psychophysiology, 28:531-547.

Farwell, L. A., & Richardson, G. M. (2023). Brain fingerprinting field study on major, terrorist crimes supports the brain fingerprinting scientific standards hypothesis: classification concealed information test with P300 and P300-MERMER succeeds; comparison CIT fails. Cognitive neurodynamics, 17(1), 63-104.

Joshi, A., Manik, R. K., Kumar, P., Roy, S., Jain, D., & Sarkar, P. (2022). Brain Fingerprinting: The New Era of Truth and Lie Detection. Advanced Engineering Science, ISSN.

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