Pular para o conteúdo
IBRALE | Socioemocional » Coaching » Espelhamento: estratégia confiável?

Espelhamento: estratégia confiável?

Compartilhe:
Tempo de leitura: 7 min.

Venho encontrando muitos artigos na Internet falando sobre a “mágica” de influenciar os outros pelo espelhamento. Segundo essa “sabedoria popular“, usar o espelhamento pode ajudar a causar uma boa impressão, caso a técnica seja usada para seguir os movimentos do seu interlocutor ou mesmo fazer a pessoa mais suscetível às suas sugestões caso ela inicie a seguir os seus movimentos. Será isso verdade? Se for, qual o real poder dessa técnica?

O espelhamento vem sendo cientificamente explicado desde o descobrimento dos “neurônios-espelho”. Sobre isso, Hipólito (2014) nos esclarece:

Rizzolatti e Gallese, da Universidade de Parma, demonstraram durante experimentos em primatas, que o córtex pré-motor não se limita ao controle do movimento do corpo em si. De fato, alguns dos neurônios, localizados nesta área, também representam visualmente os movimentos registrado da ação de outro animal. Essa observação causa atividade neural semelhante à movimentos do corpo. A característica mais peculiar dos neurônios-espelho é que eles se tornam ativo somente se o observador vê uma ação com um propósito ou significado. A compreensão visual do objetivo parece ser crucial para a ativação do sistema de espelho neural componente. [grifos nossos]

 

Conformidade social e mirroring

O espelhamento (mirroring) é explicado como o comportamento em que uma pessoa copia gestos de mímica, linguagem corporal, expressões faciais de outra pessoas. Ocorre durante a interação social e se dá por diversos motivos.

A conformidade social é um tema que sempre esteve na pauta dos estudos em Psicologia. Entretanto, o início de uma abordagem mais robusta desse assunto remonta à década de 1950, quando Solomon Asch, um dos pioneiro da psicologia social, conduziu uma série de experimentos. Hoje conhecidos como os experimentos de conformidade de Asch (Asch, 1951, 1955; Beckner, 2014; Elson, Derrick & Merino, 2022).

Vamos exemplificar, utilizando um vídeo que foi produzido no contexto de um Reality Show (Candid Camera) em um episódio,  intitulado “Face the Rear“, que foi ao ar em 1962 (Howard, 2019; Nemeth, 2018).  Note que esse não é o experimento científico, apenas uma simulação em um programa de televisão. Entretanto, a “vítima” é real e pensa que está entrando em um elevador qualquer. Veja o vídeo a seguir:

 

 

Na situação apresentada, os atores entram no elevador e permanecem voltados para o fundo. Logo, as “vítimas” do reality show se conformam e passam a acompanhar os movimentos das outras pessoas. As respostas variam um pouco, desde aqueles que ficam constrangidos mas acabam seguindo os demais até aquele que segue rapidamente todos os movimentos, incluindo colocar e tirar o chapéu.

Asch iniciou a sua pesquisa com outro tipo de experimento no qual diversos indivíduos apresentavam respostas erradas a uma pergunta. O sujeito da pesquisa respondia por último, depois de ouvir a série de respostas erradas. Inicialmente, a pessoa resistia, respondendo corretamente. Depois de uma certa quantidade de testes, a tendência do sujeito era responder o mesmo que os demais, ainda que errado.

Entretanto, uma das mais extraordinárias conclusões desses estudos vai no caminho inverso da conformação. Em um grupo de pessoas já conformadas, basta incluir um “inconformado” que emita suas opiniões e será observado um aumento da discordância. As pessoas tenderão a falar o que realmente pensam.

Os versados na Sociologia da Educação devem lembrar das Teorias da Reprodução (e.g., Althusser, 1985/2007; Bourdieu, 1989, 1967/1998; Bourdieu & Passeron, 1970/1975), que proliferaram na década de 60, principalmente na Sociologia Francesa. Logo em seguida, foram superadas pelas Teorias da Resistência (Giroux, 1983, 2001), que mostravam ocorrer resistência à conformação da internalização de crenças e valores e se opunham à mera reprodução de algo que era imposto pelo sistema escolar. Esse é um exemplo bem documentado [vide os autorres mencionados] de que não existe apenas conformação, imitação, cópia ou reprodução.

 

Persuasão, mirroring ou espelhamento

Considerando todo esse contexto de persuasão na interação humana, fico sempre surpreso com a quantidade de pessoas que desejam “influenciar” os outros. Não consigo entender o porquê de fazermos tanta força para que essa influência ocorra. É gigantesca a quantidade de livros nas prateleiras que ensinam alguma técnica para isso. Acho estranho que seja necessário empregar técnicas obscuras para que as pessoas gostem de alguém e que venham a considerar as idéias dos outros (pressupondo que sejam boas, é claro)…..

Alguns ensinam que copiar os gestos de seus interlocutores pode fazer você parecer-lhes agradável. Essa é uma versão simplificada da técnica. Isso pode realmente ocorrer, mas pelo fato da pessoa ter um certo repertório de gestos [formado por meio de condicionamento clássico e operante] com os quais está acostumada e, obviamente, sentir-se confortável com eles ou lhes serem funcionais (caso contrário não os faria). Imitar esses gestos pode realmente causar um impacto positivo em alguns casos.

 

Quais são os riscos para quem emprega a técnica do espelhamento?

São os seguintes:

  • Pode aborrecer alguém que perceba estar sendo imitado (hipótese relacionada à incompetência performática);
  •  Você é influenciado de formas imprevisíveis pelas técnicas que aplica. Então, cuidado ao imitar alguém….;
  •  As pessoas leem os mesmos livros que você… Sobre isso veja: Linguagem corporal e persuasão: Já leram os mesmos livros que você!

Palhaço

Dessa forma, copiar os gestos de alguém pode ser bastante perigoso caso a pessoa perceba e pense que é alvo de alguma brincadeira como essas de palhaços que seguem as pessoas fazendo os mesmos gestos e passos que ela.

Outro aspecto interessante que deve ser levado em conta pelas pessoas que empregam técnicas de mirroring é que toda interação tem duas vias. Nenhuma técnica funciona somente no seu interlocutor. Isso não é dito nesses livros de auto-ajuda! Você também é afetado pelas técnicas que utiliza. De fato, é um pouco pior, pois você não terá controle consciente, mas sofrerá as suas consequências. Um exemplo é começar a imitar alguém e acabar incluindo gestos não desejados no seu repertório. Isso pode ocorrer sem que você perceba.

É também sempre bom lembrar que existe uma camada orgânica de todos esses fenômenos e não seria diferente com o espelhamento pois parece que dispomos de neurônios que nos capacitam a imitar e que também preparam as nossas emoções. Apesar de pouco estudado, já serve como indicador de que somos biologicamente capacitados para experimentar as emoções alheias.

 

Lembre-se do aspecto que destacamos no início deste artigo: ser diferente, não imitar, pode ter um impacto muito maior e mais significativo nas pessoas. Entretanto, esse meu conselho, que está apoiado em diversos estudos (e.g. Ferreira et al., 2022; Juez & Mackenzie, 2019; Levine & Duncan, 2022; Petrocelli, 2021), levará você a um caminho por vezes espinhoso, pois exigirá consistência nas suas opiniões. Ficará difícil ocultar picaretagens e também custará encobrir objetivos não muito nobres ou egoístas, bem como a utilização de métodos nada bacanas para atingi-los….

O Espelhamento não é uma técnica infalível. Se você quer persuadir alguém, siga o velho e bom conselho: as palavras convencem, mas o exemplo arrasta!

Mantenha sua vida em ordem, estabeleça objetivos dos quais você não possa sentir vergonha, utilize métodos lícitos para atingi-los e esteja sempre pronto a responsabilizar-se por suas ações! Essa é uma receita que tem uma enorme força persuasiva (logo eu que não gosto de receitas… me desculpe!).

Às vezes fico tentado a pensar se todas essas técnicas que existem para que as pessoas influenciem são maneiras de fazer viáveis as vontades de indivíduos que não podem expressar os seus verdadeiros intentos…. Bom, isso é conversa para outro artigo.

Para finalizar, não esqueça que as pessoas leem os mesmos livros que você. Um professor meu costumava dizer o motivo pelo qual, em sua opinião, não existia teste de burrice, somente testes de inteligência. Dizia ele que a burrice não tem limite, então, não seria possível fazer uma escala para medi-la. Ao contrário, a inteligência tem limites, então existem os testes.

Acolhendo as palavras desse meu saudoso professor e considerando a real possibilidade da infinitude da burrice humana, pensar que as pessoas não lerão o mesmo que você é um ato de extrema estupidez….

Ainda que você não concorde com esse meu antigo professor, fica o alerta para que não se considere mais inteligente ou esperto que as demais pessoas. Trate a inteligência de seus interlocutores com respeito. Se você conhece a técnica do espelhamento, é muito provável que os outros também a conheçam, e não vai dar muito certo se alguém descobrir que está sendo “alvo” da aplicação de alguma obscura técnica de persuasão.

Um abraço e prossiga os seus estudos no Portal IBRALC.

Sergio Senna

Link para uma página sobre mitos na educação. (em inglês)

 

Artigo orignal publicado em 1 de dezembro de 2013. Revisado e ampliado em  12 de abril de 2022 por Sergio Senna.

 

Referências

Althusser, L. (2007). Aparelhos ideológicos de estado: Nota sobre os aparelhos ideológicos de estado. (W. J. Evangelista & M.L.V de Castro, Trad.) Rio de Janeiro: Graal. (Obra original publicada em 1985).

Asch, S. E. (1951). Effects of group pressure upon the modification and distortion of judgments. Organizational influence processes, 58, 295-303.

Asch, S. E. (1955). Opinions and social pressure. Scientific American, 193(5), 31-35.

Beckner, C. (2014). A peer pressure experiment: Recreation of the Asch conformity experiment with robots.

Bourdieu, P. (1989). O poder simbólico. (F. Tomaz, Trad.) Lisboa: Difel. (Obra original publicada em 1989).

Bourdieu, P. (1998). Economia das trocas simbólicas. (S. Miceli, Trad.) São Paulo: Perspectiva. (Obra original publicada em 1967).

Bourdieu, P. & Passeron, J. C. (1975). A reprodução. (R. Bairão, Trad.) Rio de Janeiro: Francisco Alves. (Obra original publicada em 1970).

Elson, J., Derrick, D., & Merino, L. (2022, January). Investigating Conformity and the Role of Personality in a Visual Decision Task with Humanoid Robot Peers. In Proceedings of the 55th Hawaii International Conference on System Sciences.

Ferreira, C., Hannah, D., McCarthy, I., Pitt, L., & Lord Ferguson, S. (2022). This place is full of it: Towards an organizational bullshit perception scale. Psychological Reports, 125(1), 448-463.

Giroux, H. (1983). Theories of reproduction and resistance in the new sociology of education: A critical analysis. Harvard educational review, 53(3), 257-293.

Giroux, H. A. (2001). Theory and resistance in education: Towards a pedagogy for the opposition. Greenwood Publishing Group.

Hipólito, I. (2014). A Philosophical Approach to Embodied Cognition through Mirror Neuron System. In ECSI (pp. 108-116).

Howard, J. (2019). Bandwagon effect and authority bias. In Cognitive Errors and Diagnostic Mistakes (pp. 21-56). Springer, Cham.

Juez, L. A., & Mackenzie, J. L. (2019). Emotion, lies, and “bullshit” in journalistic discourse. Ibérica, (38), 17-50.

Levine, E. E., & Duncan, S. (2022). Deception and the marketplace of ideas. Consumer Psychology Review.

Nemeth, C. (2018). No!: The power of disagreement in a world that wants to get along. Atlantic Books.

Petrocelli, J. V. (2021). Bullshitting and persuasion: The persuasiveness of a disregard for the truth. British Journal of Social Psychology, 60(4), 1464-1483.

 


Como eu acho o IBRALE no Telegram ou no Instagram?

IBRALE nas Redes

canal-ibrale-no-telegram-1

 

 

ibrale-testes-linguagem-corporal

 


Como citar este artigo?

Formato Documento Eletrônico (ABNT)

PIRES, Sergio Fernandes Senna. Espelhamento: estratégia confiável?. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Disponível em < https://ibralc.com.br/mirroing-estrategia-infalivel/> . Acesso em 16 Apr 2024.

Formato Documento Eletrônico (APA)

Pires, Sergio Fernandes Senna. (2013). Espelhamento: estratégia confiável?. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 16 Apr 2024, de https://ibralc.com.br/mirroing-estrategia-infalivel/.

Deixe o seu comentário

5 comentários em “Espelhamento: estratégia confiável?”

  1. Olá Dr. Sergio Senna,

    Eu percebi que as suas explicações são um pouco diferentes da que recebi em um curso que fiz. O sr. acha que a conformação social ou a questão do emparelhamento são suficientes para explicar o espelhamento?

    1. Olá Adrieli, obrigado pela sua pergunta.

      Aqui começa a resposta longa. Para a resposta curta pule para o último parágrafo.

      O primeiro aspecto que eu preciso explicar para te responder é que o comportamento é multideterminado. Imagine que somos seres híbridos biopsicológicos. Então, simultaneamente, exitem processos de todas essas naturezas ocorrendo conosco.

      Como isso é difícil de compreender de forma integrada, os cientistas optam por uma e outra via. Alguns dão ênfase aos processos biológicos, outros aos processos psicológicos. Eu não gosto nem de escolher um ou outro, prefiro uma abordagem mais integral [holística, como chamam]. Entretanto, o nível de complexidade aumenta enormemente.

      As pessoas que explicam o espelhamento apenas utilizando a existência dos neurônios espelho são aquelas que optaram pela via biológica. Normalmente, essas pessoas acabam reduzindo o comportamento humano à existência de alguma estrutura…. é o centro X ou Y que acaba sendo responsável por determinado fenômeno.

      Na minha forma de compreender, as coisas não ocorrem bem assim. Eu entendo que existe uma base biológica para a ocorrência dos fenômenos humanos. Sem essa base, nada ocorreria, mas existem também os processos psicológicos – sem esses, independentemente da base biológica, nada ocorreria também. Então eu prefiro essa abordagem mais integrada, a despeito de tornar a análises muito mais complexas.

      Outro aspecto interessante é a existência de processos psicológicos básicos e superiores. Os básicos são aqueles que nós compartilhamos com os demais animais superiores, principalmente os grandes primatas. Os processos psicológicos superiores são aqueles eminentemente humanos, como os ligados à abstração, distanciamento, vontade, memorização ativa entre outros.

      Dito isso, para você saber de onde tiro as minhas respostas, posso te responder que eu prefiro a abordagem psicológica, pois ela já embute as questões biológicas. Por exemplo, quando eu faço uma entrevista com uma pessoa alcoolizada, eu já tenho no comportamento verbal dela, os efeitos fisiológicos da substância que ela ingeriu. O psicológico, no geral, reflete as modificações fisiológicas pelas quais alguém passou.

      Então, a conformação social é uma das explicações para o espelhamento. Sentir-se à vontade com seu próprio comportamento [condicionamento clássico e operante] é outra explicação possível. O que eu defendo é a multideterminação do comportamento. Nesse contexto, somente na interação determinada é que nós vamos conseguir levantar as razões que fazem sentido para aquele pessoa.

      Alguns pesquisadores não gostam desse método que eu adoto, pois é muito trabalhoso e não abre a possibilidade para uma “solução geral e universal” que é o que muita gente curte. Eu não me preocupo com isso, o que me dá paz de espírito para prosseguir nos meus estudos sem qualquer angústia.

      A resposta curta para a sua pergunta é a seguinte: nem sempre a conformação social será a explicação para o espelhamento, pois como tudo relacionado ao comportamento humano, existem múltiplas razões para a ocorrência dos mesmos fenômenos observáveis. Entretanto, é muito melhor adotá-la a colocar todas as fichas somente nos neurônios espelho…..

  2. Artigo muito interessante. Também muito importante para lembrarmos que sempre há dois lados da moeda em qualquer técnica que utilizamos.
    Bem como esse alerta já é encontrado na literatura quando cita-se a necessidade de cautela ao utilizar em demasia do mirroring para que não pareça um show de mímicas.

    Um abraço.

  3. Olá Dr. Sérgio,

    Mais um excelente artigo, este assunto era uma dúvida minha, que inclusive acho que já indaguei aqui pelo portal. Acredito que a maioria dos livros desta área (linguagem corporal), abordam esta teoria, e utilizando como base a PNL ( para quem não sabe o que é PNL, leia este artigo: http://ibralc.com.br/entenda-programacao-neurolinguistica/ ).

    Ainda mais no mundo de hoje, competitivo, como “mais do mesmo” (parafraseando o disco do Legião Urbana rsrsrs) poderia ser uma vantagem? Acredito que você estaria se igualando à média, e poucos procuram o que esta na média…querem o diferente, aquele que será capaz de surpreender.

    Portanto, em entrevistas, onde esta técnica é muito recomendada, por sinal (pelos diversos livros espalhados por aí), evite este espelhamento, prefira mostrar suas qualidades, quem você é de fato, e poderá terminar a entrevista impressionando muito mais (claro, tudo baseado na honestidade, não adianta inventar o que não se conhece).

    Existe uma frase que vi, que não lembro bem como era e nem o autor (se alguém lembrar, pode corrigir rsrsrs), que dizia mais ou menos: todo pai que quer que o filho seja uma projeção de si mesmo, estará morrendo pela metade…

    Abraço,

    Edinaldo Oliveira

Deixe sua opinião - Seja educado - Os comentários são moderados