O que é Tríade Sombria (Dark Triad)? O que não te contaram?

Divulgue e opinie

A expressão Tríade Sombria (Dark Triad) se refere-se a três traços de personalidade distintos, mas relacionados: narcisismo, maquiavelismo e psicopatia. É a moda no mundo da divulgação em Psicologia nos Estados Unidos. Assim os norte-americanos a explicam:

Narcisismo: o narcisismo vem do mito grego de Narciso, um caçador que se apaixonou por seu próprio reflexo em uma piscina e se afogou. Os narcisistas podem ser egoístas, presunçosos, arrogantes, sem empatia e hipersensíveis a críticas.

Maquiavelismo: a palavra vem do renomado político e diplomata italiano do Século XVI Niccolo Machiavelli. Ele ganhou notoriedade quando seu livro de 1513, “O Príncipe”, foi interpretado como um endosso das artes sombrias da astúcia e do engano na diplomacia. As características associadas ao maquiavelismo incluem manipulação, agir em interesse próprio e falta de emoção e moralidade.

Psicopatia: traços de personalidade associados à psicopatia incluem falta de empatia ou remorso, comportamento antissocial e ser manipulador e volátil. É importante notar que há uma distinção entre traços psicopáticos e ser um psicopata, com sua associação comumente aceita com a crueldade da violência criminal. Ao final dessa postagem você encontra um diretório de outras matérias que aprofundam nesses aspectos.

Como você já deve ter percebido, farei um relato do que encontrei em portais especializados e até mesmo em diretórios de conteúdo científico. Ao final, darei a minha opinião técnica sobre a Tríade Sombria (Dark Triad). 

Como Identificar a Tríade Sombria?

Segundo o que se encontra na literatura norte-americana, tradicionalmente, os psicólogos identificaram traços da Tríade Negra avaliando diferentes tipos de personalidade separadamente.

No entanto, em 2010, o Dr. Peter Jonason, então professor de Psicologia na “University of Western Florida”, e seu co-autor, Gregory Webster, professor de Psicologia na “University of Florida”, desenvolveram a escala de classificação vulgarmente conhecida como “Dirty Dozen”, ou uma metodologia de 12 itens, para medir os traços da Tríade Sombria [1].

Essa medida, segundo esses autores,  supostamente, serviria de parâmetro para indicar a ocorrência da Tríade Sombria.

Esse é um resumo do artigo no qual descrevem a Tríade Sombria e a metodologia que utilizaram:

Houve um aumento exponencial, durante a última década,  do interesse pelo lado obscuro da natureza humana. Para entender melhor esse lado, os autores desenvolveram e validaram uma medida concisa de 12 itens da Tríade Sombria: narcisismo, psicopatia, e maquiavelismo. Em 4 estudos envolvendo 1.085 participantes, eles examinaram a confiabilidade estrutural, validade convergente e discriminante (Estudos 1, 2 e 4) e a confiabilidade teste-reteste (Estudo 3). Sua medida manteve a flexibilidade necessária para medir esses três construtos independentes, mas inter-relacionados, o que melhora sua eficiência reduzindo a contagem de itens em 87% (de 91 para 12 itens).

Os critérios elaborados por Jonason e Webster são levantados a partir desse tipo de sentença:

  • Tenho a tendência de manipular os outros para conseguir o que quero.
  • Enganei ou menti para conseguir o que queria.
  • Usei a bajulação para conseguir o que queria.
  • Tenho tendência a explorar os outros para o meu próprio benefício.
  • Tenho tendência a não sentir remorso.
  • Tendo a não me preocupar muito com a moralidade de minhas ações.
  • Tenho tendência a ser insensível.
  • Tenho tendência a ser cínico.
  • Desejo que os outros me admirem.
  • Tenho tendência a querer que os outros prestem atenção em mim.
  • Tenho tendência a buscar prestígio ou status.
  • Tenho a tendência de esperar favores especiais dos outros.

Em seu nível básico, um indivíduo seria classificado de, por exemplo, um a sete em cada uma dessas doze perguntas ou afirmações, dando uma pontuação possível de 12 a 84. Quanto maior a pontuação, maior a probabilidade de ter tendências à Tríade Sombria.

Você chegou até aqui, pode também ver as minhas 8 DICAS para ser um especialista em:

ANÁLISE DA MENTIRA

Quais os principais problemas metodológicos que podemos levantar nessa pesquisa?

Em minha opinião, o primeiro e mais grave deles foi realizar uma pesquisa, que pretende fundamentar um diagnóstico diferencial de um transtorno mental que ainda não existe (Dark Triad), apenas  utilizando o que chamamos de inventário de personalidade. São perguntas ou afirmações que contém a suposição do cerne de uma determinada característica. Por exemplo, vejamos a afirmação acima:

  • Desejo que os outros me admirem.

As respostas padronizadas variam, mas as escalas comumente têm de três a sete níveis de resposta. São respostas do tipo (1) aplica-se; (2) aplica-se parcialmente; (3) não se aplica a mim.

A fragilidade desse método é que as respostas são elaboradas SOMENTE pelo próprio sujeito. Então seria ingênuo não considerar que eles:

  • não mentem sobre si;
  • ainda que não mintam, possuem clareza sobre seu próprio comportamento;
  • que colaboram com a pesquisa sem tentar prejudica-la (afinal, alguns são psicopatas, não?)
  • que a interferência na pesquisa não ocorra por mera brincadeira (afinal, são jovens estudantes)

Mesmo utilizando técnicas de retestagem, para fins de construção de critérios diagnósticos de um transtorno mental tão grave, não creio que essa medida seja suficiente para garantir a consistência e a possibilidade de generalização das conclusões.

De forma geral, o diagnóstico de qualquer transtorno mental que se baseia precipuamente no levantamento de evidências a partir do próprio sujeito estará contaminado pelo viés de sua própria enfermidade.

Pergunte a um narcisista se ele se considera assim. Ou ainda, achar que a pessoa não  vai entender que essa afirmação – Tenho tendência a buscar prestígio ou status. – tem o objetivo de levantar um núcleo narcista em si ou a sua ambição, é de uma ingenuidade infantil….

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Dê uma olhada na foto acima e avalie se o cidadão está mostrando concordância com o conteúdo que a mulher está narrando. Então, não deve ser só a visão de alguém sobre si mesmo o aspecto mais relevante a ser analisado nesses casos.

Nesse contexto, a visão do próprio sujeito sobre si pode ser um dos elementos que sirvam de evidência para a sua avaliação. Entretanto, um peso ainda maior poderá ser dado a entrevistas estruturadas com familiares, conhecidos, colegas de trabalho e do estudo da história de vida do sujeito (o que pode ser realizado em parte por meio de análise documental). Como não havia enunciado a minha definição de avaliação psicológica, aproveito para fazer agora:

Avaliação psicológica é o trabalho intelectual do Psicólogo, baseado em evidências (testes, entrevistas, dramatização, relatos, análise documental, fotos, vídeos, análise do comportamento não verbal etc), com a finalidade de levantar o estado de saúde ou sofrimento mental de uma pessoa ou de características momentâneas de processos psicológicos específicos. – Dr. Sergio Senna

Não é uma definição exaustiva, mas cobre a maior parte das avaliações psicológicas que podem ser realizadas: clínicas, para verificação de aptidões etc. 

A padronização e a popularização de testes (que são importantes, deixemos claro isso) abre a oportunidade para que os psicólogos se descuidem do seu trabalho intelectual a partir de “fontes” mais trabalhosas e difíceis, como costumam ser as entrevistas com outras pessoas e a análise documental. 

A minha visão para o futuro é que, aos métodos padronizados hoje existentes, serão somados (talvez exigidos) os qualitativamente mais profundos e cuja origem do material psicológico não dependa exclusivamente do próprio sujeito avaliado.

Fica esse aspecto para a nossa reflexão.

Minha opinião sincera sobre a Tríade Sombria

Faz um tempo que só se fala nisso lá nos EUA. Parece que a psicopatia funcional cansou, se desgastou, então a fila tem que andar. O debate intenso sobre a psicopatia, na sociedade norte-americana, vem desde a década de 70. então, “tá meio velhinho” (já tem muito livro)….

O próprio termo em si (psicopatia) está contaminado pelo seu uso anterior no senso comum e, dificilmente, virá a ser um termo técnico. O debate sobre as possíveis e supostas diferenças entre psicopatas e sociopatas não tem fim.

A minha impressão é que mais uma expressão (Tríade Sombria) foi  forjada para a venda de livros, realização de debates e venda de novos testes psicológicos padronizados (essa sim uma verdadeira tríade sombria). Lembrando que nos EUA uma pessoa pode ficar muito rica se alguma dessas  três coisas der certo. Principalmente se um livro sobre a Dark Triad vier a ser um best seller.

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O próprio nome do “transtorno” me parece ter sido criado com essa finalidade. Fica bacana qualquer título que tenha “Tríade Sombria” no meio. Parece também que existe um apelo mágico que remete ao numero 3, aproveitando, não conscientemente, muitas abordagens religiosas nas quais essa quantidade é sagrada ou reverenciada.

Além disso, me parece um termo nada técnico, apesar de originar-se de acadêmicos e de pesquisas científicas…. Esse também é um aspecto interessante. A psicopatia (ou sociopatia) se caracteriza, entre outras coisas, pelo narcisismo e pelo maquiavelismo (termos também batidos no senso comum). Então, essa associação me parece bastante tautológica, óbvia e difícil para realizar um diagnóstico diferencial.

Tem-se uma síndrome com psicopatia (cujo diagnóstico tradicional levanta narcisismo e “maquiavelismo”) que também tem narcisismo e maquiavelismo…. Demasiadamente óbvio…. Dá o que pensar, não é?

Não querendo fazer piada dos colegas norte-americanos, entretanto me pareceu que eles trabalharam na Marvel, na DC Comics, ou em séries japonesas da década de 60 e resolveram criar um supervilão, combinando três capangas com múltiplas personalidades (porque cada um dos três também tem os outros…): a psicopatia, o narcisismo e o maquiavelismo.

A propósito, não mencionei antes mas a expressão “Dirty Dozen” pode fazer remissão ao filme de mesmo nome estrelado por Charles Bronson, Telly Savalas e outros famosos, em 1967. Em Língua Portuguesa, o Título é “Os Doze Condenados” (todos com perfil psicopático e que são enviados para uma missão suicida durante a II Guerra Mundial)…… Outro aspecto curioso, não e?

Uma busca não exaustiva no Portal de Vendas Amazon revelou a existência, à venda, de 40 títulos, em Língua Inglesa, diretamente relacionados à Dark Triad.

Como um último dado curioso, em levantamento realizado no Google Scholar na data desta matéria, o Dr. Peter Jonason publicou, na última década, 90 artigos (essa marca é impressionante. Top das Galáxias) tratando especificamente da Dark Triad. Já o Dr. Gregory Webster tem 15 artigos (essa marca é normal) no mesmo período. Seria isso uma estratégia para “emplacar” a nova enfermidade ou a facilidade de demonstrar que características que sabidamente (há muito tempo) já fazem parte de um núcleo central estão correlacionadas com ele?

Depois de ler essa finalização, nos perguntamos se criar esse “transtorno” não seria uma artimanha tão maquiavélica quanto as que a metodologia proposta pretende diagnosticar…..

Como essa praga está chegando em Terra Brasilis, eu resolvi me adiantar e refletir um pouco.

E você o que acha disso?

Um abraço

Sergio Senna

Artigo originalmente elaborado em 25 de maio de 2021. Revisado e ampliado em 01 de dezembro de 2022.

Referências

[1] Jonason, P. K., & Webster, G. D. (2010). The dirty dozen: A concise measure of the dark triad. Psychological Assessment, 22(2), 420–432. doi:10.1037/a0019265 

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