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A percepção não-consciente das expressões faciais

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Tempo de leitura: 5 min.

No século XIX, Darwin já falava do caráter biológico das emoções, numa época em que falar de emoção era sinônimo de falar de uma alma imaterial, ou de alguma instância mental superior desconectada de nossa natureza biológica (Darwin, 1872).

Quase um século depois, Tomkins (1962) – que foi orientador de Paul Ekman em seus primeiros estudos sobre a universalidade das expressões faciais das emoções básicas – cogitava a existência de um sistema emocional intimamente interligado às expressões faciais – os facial affect programs.

Diversas tecnologias hoje permitem verificar essas hipóteses curiosas sobre o funcionamento  das emoções, como a eletromiografia (EMG) facial. Essa tecnologia permite a detecção da eletricidade envolvida nos potenciais de ação elétricos que contraem a musculatura facial em cada expressão (em cada movimento muscular, na verdade). Assim, é possível descobrir quais músculos se contraíram em qual momento e com qual intensidade (leia sobre estudos que usaram essa técnica aqui e aqui). 

Percebendo sem perceber

E não acaba por aí, técnicas como essa permitiram a medição de algo interessantíssimo: a percepção não consciente que temos de certos estímulos emocionais. Ao que tudo indica, reagimos a uma série deles o tempo todo sem que necessariamente percebamos isso de maneira consciente – o que se encaixa muito bem nas predições de Darwin e Tomkins sobre a biologia das emoções e existência de mecanismos (esquemas) com subcomponentes interligados (leia mais sobre isso aqui).

 

Eletromiografia facial

Segundo uma série de estudos (Dimberg, 1982; 1990), tendemos a imitar inconscientemente uma expressão facial, quando a vemos. Não estou falando necessariamente daquele impulso que temos ao sorrir mesmo sem estar achando graça de algo, quando passamos por um conhecido e ele sorri para nós. O que falo é de algo ainda mais basal, um impulso que muitas vezes nem é perceptível “a olho nú”, mas isso é detectado pelos aparelhos de EMG.

Em experiências, verifica-se que o zigomático maior se contrai ao vermos fotos de expressões de alegria, assim como ocorre a contração do corrugador do supercílio ao vermos fotos de pessoas com raiva (Dimberg & Thunberg, 1998). Para que isso ocorra, basta apresentar o estímulo (a foto, no caso) a uma velocidade de 500 ms, que é imperceptível conscientemente.

Isso é bem coerente, também, com os estudos pioneiros de Zajonc (1980) sobre percepção e emoção. O pesquisador concluiu que as fases iniciais da reação emocional eram sempre implícitas (não-conscientes). Eu acho isso bem coerente de acordo com a percepção cotidiana das reações mesmo, em especial, pelo fato de elas serem quase sempre tão difíceis de serem controladas e de muitas vezes não sabermos prontamente qual acontecimento as despertou. Aliás, nem sempre saber o que a despertou é sinônimo de saber como evitá-la. Como vimos num artigo aqui do Ibralc (do monge), o controle emocional é algo que requer treinamento.

Pensando em outro nível, a conclusão conjunta desses estudos também é compatível com a visão evolucionista, em que as emoções  são reações reflexas frente a estímulos ambientais que podem representar perigo, por exemplo, e que permitiam assim a sobrevivência dos indivíduos. Pensando em seres vivos mais “primitivos” (mais antigos), seria vantajoso mesmo que tivessem um sistema emocional que trabalhasse implicitamente, afinal, a consciência é um advento recente na história evolutiva.

Um estudo

Em 2000, Dimberg realizou um estudo com 120 participantes randomizados em 3 grupos: alegria-neutra, raiva-neutra, neutra-neutra. Quer dizer, os 40 participantes de cada grupo viam um video de 5 s, em que, em intervalos de 30ms, faces com determinada emoção eram mostradas. Eram 5 s de faces neutras passando, com 30ms de uma face emocional dependente do grupo, em que o primeiro apresentava uma de alegria, o segundo, uma de raiva e o terceiro, neutras.

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Para se assegurar de que os participantes não tinham notado as faces apresentadas por 30 ms, o pesquisador ainda fez perguntas que buscavam verificar se os participantes nao tinha mesmo reparado o aparecimento delas. Também foi verificado se os voluntários tinham se sentido especialmente raivosos ou alegres ao realizar a tarefa – o que, em caso positivo, poderia ser mais uma corroboração do estudo de Ekman e Davidson tratado aqui em outro artigo. Todos relataram certa neutralidade.

Para que a intenção verdadeira do experimento não fosse descoberta, os voluntários foram recrutados achando que o estudo era sobre a secreção de suor facial. Posteriormente, foi investigado também se os participantes notaram que os eletrodos estavam ali, na verdade, para medir a atividade elétrica de seus músculos faciais, e não da secreção de suor. Nenhum deles pareceu notar.

Os resultados mostraram que o grupo “alegria-neutra” apresentou uma atividade pronunciada no músculo zigomático maior, comparando com o grupo “raiva-neutra”. O neutro-neutro apresentou uma resposta intermediária para o zigomático e corrugador, que, previsivelmente, teve maior expressão na condição “raiva-neutra”.

A análise estatística dos resultados (teste t), revelou que, interessantemente, a contração do corrugador do supercílio foi maior no grupo “neutra-neutra” do que no “alegria-neutra”.  Isso pode levar à interpretação, até previsível, de que a apática neutralidade pode ser prejudicial, e que o melhor é conquistarmos emoções positivas mesmo.

E daí?

E o que isso tudo nos diz? Além das conclusões e interpretações já aventadas ao longo do texto, podemos ainda acrescentar mais esse viés na análise da linguagem não verbal dos indivíduos. É bom saber – para sermos mais prudentes – que qualquer estímulo pode invocar em nós uma reação incontrolável e que nem sempre o próprio indivíduo é capaz de saber o que causou aquela súbita mudança em seu estado emocional. Mas essa faceta pode revelar também um novo meio de analisarmos a emoção. Pode ser que algum dia esse tipo de método – estímulos processados inconscientemente – sejam transformados de alguma forma em uma ferramenta mais eficiente para abordar um suspeito, por exemplo, sobre o que ele achava da vítima. Enfim, podemos considerar a complexidade humana como um limitante mas também como uma nova janela que nos abre para novas possibilidades.

 Ficção científica demais? Há um século, falar nesse tipo de processamento inconsciente poderia soar coisa de filme também. E você, o que acha?

 Referências

  • Darwin, C. (1872). The expression of emotion in man and animals. London: Murray.
  • Dimberg, U. (1982). Facial reactions to facial expressions. Psychophysiology, 19, 643–
    647.
  • Dimberg, U. (1990). Facial electromyography and emotional reactions. Psychophysiology,
    27, 481–494.
  • Dimberg, U., & Thunberg, M. (1998). Rapid facial reactions to different emotionally
    relevant stimuli. Scandinavian Journal of Psychology, 39, 39–45.
  • Dimberg, U., Thunberg, M., Elmehed, K. (2000). UNCONSCIOUS FACIAL REACTIONS TO EMOTIONAL
    FACIAL EXPRESSIONS, PSYCHOLOGICAL SCIENCE.
  • Tomkins, S.S. (1962). Affect, imagery and consciousness: The positive affects. New York:
    Springer-Verlag.
  • Zajonc, R.B. (1980). Feeling and thinking: Preferences need no inferences. American
    Psychologist, 35, 151–175.

 Felipe Novaes

 


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NOVAES, Felipe. A percepção não-consciente das expressões faciais. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Disponível em < https://ibralc.com.br/a-percepcao-nao-consciente-das-expressoes-faciais/> . Acesso em 19 Apr 2024.

Formato Documento Eletrônico (APA)

Novaes, Felipe. (2013). A percepção não-consciente das expressões faciais. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 19 Apr 2024, de https://ibralc.com.br/a-percepcao-nao-consciente-das-expressoes-faciais/.

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7 comentários em “A percepção não-consciente das expressões faciais”

  1. Gostei imensamente do artigo! Parabéns Felipe! acredito que o dialogo entra as funções inferiores e superiores seja um dos próximos passos na evolução do saber em linguagem corporal. porem creio que não temos ainda o controle de nossa “percepção seletiva”, ficaria a pergunta: será que, nossa percepção, mesmo que em um nível mais básico, consegue reagir a todos os estímulos que se apresentam? e quais seriam os critérios para essa escolha?

    Abraço!!!

    1. Olá, David! Que ótimo que gostou do artigo!

      O que vc quis dizer com “percepção seletiva”?

      “será que, nossa percepção, mesmo que em um nível mais básico, consegue reagir a todos os estímulos que se apresentam? e quais seriam os critérios para essa escolha?”

      Essa é uma boa pergunta! Primeiro temos de ter em mente que é muito difícil responder perguntas e dar respostas em ciência, que envolvam “tudo” e “nada”. Esses extremos são complicados de se trabalhar. O que acho que a literatura científica está em condições de esclarecer no momento é que nós percebemos muitos mais informações do ambiente do que pensamos. Apenas uma parte dela se torna explícita (consciente), o resto permanece somente como uma base implícita que pode até influenciar na parte explícita do pensamento, como os experimentos de priming e os que eu mencionei no texto.

      Agora, sobre os critérios para essa percepção…bom, acho que isso se correlaciona com a outra pergunta, sobre se conseguimos reagir a TODOS os estímulos. Acho que a resposta tem a ver com o modo como nosso corpo foi moldado pela seleção natural. Nós percebemos explícita e implicitamente os estímulos que de uma certa forma significaram algo para nossa sobrevivência no passado. Então, informações úteis nesse sentido com certeza são percebidas de forma bem hábil por nós.

      Espero ter te respondido bem. Qualquer coisa é só perguntar de novo :)

      Abraço!

    2. GRato pelo retorno felipe!

      Respondeu muito bem, é claro! eu me equivoquei com a palavra tudo, o que quis dizer é que, em relação a percepção seletiva (no entendimento Gestaltico mesmo, só que por um prisma das funções inferiores), de certo teríamos informações não percebidas por descarte, e essa seleção da percepção é conhecida nas funções superiores, mas e nas mais básicas? concordo com voce nessa questão da evolução e da forma como fomos moldados, mas me intriga muito em como esse nivel de percepção dialoga com o mundo atual. Aproveito para te pedir Felipe, indicaões de boa literatura para psicologia evolucionista, estou me apixonando por este saber!

      Abraços!!

      1. David, existem muitos livros interessantes sobre Psicologia Evolucionista!

        Como introdução mais geral, eu recomendo um que se chama Introdução à Psicologia Evolucionista, escrito por vários autores importantes nessa área aqui do Brasil.

        Livros do David Buss também são muito bons, ele tem vários. A Miriam Fisher acho que não é psicóloga evolucionista, mas ela tem uns livros onde aborda a afetividade, paixão e amor, sob esse prisma.

        Não existem muitos livros bons traduzidos, então, minhas maiores fontes são os artigos científicos. Se quiser, pesquisa no google acadêmico por Evolution and Human Behavior, que é uma das principais revistas do tema.

        Além disso, tem o meu blog, o Nerdworking. Um dos assuntos que abordo lá com frequência é a PE.

        Abraço!

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