Pular para o conteúdo
IBRALE | Socioemocional » Linguagem Corporal » Reconhecer as emoções: habilidade natural ou aprendida?

Reconhecer as emoções: habilidade natural ou aprendida?

Compartilhe:
Tempo de leitura: 5 min.

Muitas pessoas me perguntam se há diferença entre aqueles que possuem uma habilidade “natural” para reconhecer as emoções e os que intencionalmente aprendem a reconhecê-las. Não creio que a diferença seja tão significativa e, há algum tempo escrevi o artigo – Como surgem as habilidades naturais para perceber emoções.

Habilidades naturais

Naquele texto, argumentei sobre duas hipóteses que estão documentadas na literatura científica, principalmente de origem norte-americana.

A tese principal consiste em que:

As altas habilidades em perceber aspectos da comunicação não verbal podem estar associadas a contextos em que a pessoa, no seu ciclo de vida, passou por abusos ou conviveu em ambientes em que tinha de prestar atenção aos indicadores não verbais para sobreviver.

Esse é o exemplo que nos traz o seriado Lie to Me com a personagem Mia Torres.

Além disso, podem existir outras hipóteses como a de pessoas que se desenvolveram no contexto de “tirar vantagem” dos outros. Para tanto, desenvolvem habilidades de observar as emoções, interpretar as vulnerabilidades emocionais dos outros ou até mesmo provocar estados emocionais para ludibriarem alguém. Uma maneira de analisar o comportamento das diferentes pessoas que conseguem perceber as emoções alheias é prestar atenção no objetivo a que se orientam suas ações.

Explico, utilizando as histórias de João e Francisco:

João


Esmola no Sinal - Linguagem Corporal - IBRALC

João é uma pessoa egoísta cuja infância foi marcada pela falta de quase tudo. Desde pequeno foi explorado, pois seus pais o “fizeram” trabalhar desde os 9 anos. Seu “trabalho” era pedir esmolas no sinal. Inicialmente ele ficava com raiva, pois nenhum dinheiro parava em sua mão para comprar os doces de que tanto gostava. Seu pai ficava com tudo. Depois de um tempo, percebeu que as pessoas reagiam de forma diferente aos seus pedidos de esmola. Com a prática, aprendeu a representar aquilo que mobilizava as pessoas e as fazia emocionarem-se com a sua situação e se compadecerem dele. Hoje, João é um adulto manipulador e sua vida se desenvolve no mundo dos golpes contra aposentados.


 

Francisca


teste

Francisca é uma pessoa altruísta cuja infância foi marcada pela falta de quase tudo. Desde pequena foi explorado, pois seus pais a “fizeram” trabalhar desde os 9 anos. Seu “trabalho” era pedir esmolas no sinal. Inicialmente ela ficava com raiva, pois nenhum dinheiro parava em sua mão para comprar os doces de que tanto gostava. Seu pai ficava com tudo. Depois de um tempo, percebeu que as pessoas reagiam de forma diferente aos seus pedidos de esmola.  Sem nunca ter se conformado  com sua exploração, fugiu de casa assim que completou 12 anos. Trabalhou duro, estudava à noite e jurou a si mesma que faria o possível para que crianças jamais fossem exploradas por seus pais. Quando se deu conta que conseguia perceber as emoções dos outros com muita clareza, começou a trabalhar para uma ONG que tinha um programa de aconselhamento para famílias de dependentes químicos. Sua capacidade de empatia era tão grande, que todos achavam que ela era “abençoada” por Deus para fazer aquele trabalho. Hoje, Francisca  é uma adulta madura e sua vida se desenvolve na atenção a crianças que sofrem violência familiar.


 

Para ilustrar essa postagem, criei duas histórias muito semelhantes, parecidas com as de tantos Joões e Franciscas que existem no Brasil. O curso de nossa vida pode ser muito semelhante, mas as decisões que tomamos vão muito além das influências genéticas e dos ambientes nos quais nos desenvolvemos. Esse é o motivo pelo qual se pode explicar por que irmãos criados em uma mesma família podem ser muito diferentes.

No que diz respeito ao reconhecimento das emoções humanas, tanto Francisca quanto João possuíam habilidades avançadas que foram desenvolvidas no contexto da sua exploração enquanto crianças. Entretanto, mais importante do que o desenvolvimento de uma certa habilidade são as decisões sobre o que faremos com ela.

Penso que muitos optam por todo o tipo de “naturalização” pois isso esvazia a responsabilidade pessoal. Quando se diz que alguém tem habilidades “naturais”, há que se ter cuidado para que não se justifique o uso indevido dessas habilidades só por que elas são “naturais”. É como contrair uma doença viral. Que culpa o doente tem? Afinal, foi o vírus que causou a doença….. A causa está “fora” da pessoa, sendo conveniente deixar de analisar os seus comportamentos e decisões que possam ter dado uma ajuda ao vírus para que se instalasse.

Naturalização

A naturalização pode ocorrer de várias formas, a naturalização genética, por exemplo, é bem conhecida e outra  delas foi por mim ilustrada na história de Francisca quando pessoas lhe atribuíam “um dom divino” para estabelecer uma relação empática com seus semelhantes. Atribuir alguma causa mágica ou divina são estratégias bastante utilizadas para explicar o desconhecido.

As ditas habilidades naturais também são aprendidas, pois foi o treinamento precoce que as faz florescer antes. Esse processo de aprendizagem pode ser mais duro e profundo para aqueles que sofreram violência na infância, já que toda habilidade tem a sua dimensão emocional.

Imagine o que emocionalmente significa para uma criança ter que observar o estado de humor de seu pai ou de sua mãe para saber como reagir a fim de não ser espancado por qualquer coisa que diga ou faça…. O desenvolvimento dessas habilidades e competências estará profundamente internalizado em seu psiquismo. Não é uma atividade eminentemente cognitiva, mas sim emocionalmente mediada. Isso é duro, sério, profundo e qualitativamente muito diferente do que ocorre com aqueles que aprendem a observar os detalhes das emoções de seus semelhantes já como adultos.

Entretanto, não há evidências de que a qualidade dessas observações possa ser melhor do que as daqueles que aprendem posteriormente.

Quando aprendemos a interpretar as habilidades sob o ponto de vista do desempenho ao utilizá-las e das decisões que tomamos ao emprega-las, as formas como elas se desenvolveram perdem um pouco a importância.

Ao concluir essa reflexão, penso que é importante destacar que não há um certo destino traçado para aqueles que observam as emoções de seus semelhantes. Não importando quando essas habilidades se desenvolvem, todos nós, sem exceção, estaremos sempre diante de uma decisão diária sobre como utiliza-las.

Um abraço e siga acompanhando as nossas matérias.

Sergio Senna

 


Como eu acho o IBRALE no Telegram ou no Instagram?

IBRALE nas Redes

canal-ibrale-no-telegram-1

 

 

ibrale-testes-linguagem-corporal

 


Como citar este artigo?

Formato Documento Eletrônico (ABNT)

PIRES, Sergio Fernandes Senna. Reconhecer as emoções: habilidade natural ou aprendida?. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Disponível em < https://ibralc.com.br/alguns-reconhecem-facilmente-emocoes/> . Acesso em 23 Apr 2024.

Formato Documento Eletrônico (APA)

Pires, Sergio Fernandes Senna. (2013). Reconhecer as emoções: habilidade natural ou aprendida?. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 23 Apr 2024, de https://ibralc.com.br/alguns-reconhecem-facilmente-emocoes/.

Deixe o seu comentário

5 comentários em “Reconhecer as emoções: habilidade natural ou aprendida?”

  1. A leitura de expressões vem desde criança, más com o tempo isso se torna automático fazendo com que se torne expressões naturais.
    Quando os fatos contradizem as ações a reação que as pessoas tem e os sentimentos esboçados requerem uma analise maior e específica do comportamento.
    A desconfiança e a dúvida ajudam muito para que as pessoas procurem uma maneira de detectar mentiras.. essa é a base da procura e aprofundamento de estudos sobre o comportamento humano. (leitura facial e corporal).

  2. Olá, hoje me dediquei a observar seus vídeos e aprendizado, minha infancia e adolecencia me proporcionaram aguçar minha intuição sobre o que se passa no coração das pessoas, é como se meus olhos decifrassem elas, claro que não sou perfeito, nem digo que sempre acerto, mas quem me conhece, e incluo minha esposa nisso, sabe que pelas infelicidades da minha vida passada, minha infancia e adolecencia, hoje posso olhar através dos olhos das pessoas e ver além.
    Felizmente sou uma pessoa de caráter e um péssimo mentiroso, mas junto com a Fobia Social e o Transtorno de Ansiedade minha vida tem sido complicada socialmente, me armei com múltiplos artifícios para as pessoas não perceberem minha ansiedade e meu nível de estar alerta perto delas, mas infelizmente não consigo disfarçar sempre.
    O pior é quando tenho que me relacionar com pessoas que não são íntimas comigo, no trabalho ou num curso de longa duração (Aliás não trabalho a muito tempo por conta disso, e alías já passei por 30 empregos diferentes e não tenho 3 anos de carteira) vejo o que elas sentem a meu respeito, vejo quando elas percebem que algo diferente está em mim, e vejo os seus julgamentos, as pessoas se afastam de mim, ou me provocam, outras só levam suas vidas, mas o resultado dessas situações atrapalhadas é que eu fujo delas como se foge do perigo, não consigo trabalhar nem estudar. A verdade é que me assusto com o que vejo, não julgo todos, aliás tem pessoas muito boas na vida, mas as ruins me assustam muito!
    Teria muito mais para contar, mas só quis desabafar pois sei exatamente o que é herdar o dom de ver o coração das pessoas, é algo que se ganha com medo, muito medo, é por viver como numa guerra onde se respira o horror que ganhamos uma compensação, pra poder fugir do perigo!
    Abraço Dr. Sergio!

  3. Obrigado Edinaldo.
    Essa é uma dúvida comum, tanto nos cursos quanto nos emails que recebo.

    Acho que as pessoas têm uma percepção que ser “natural” é melhor do que aprender posteriormente, o que não é, necessariamente, verdade.

    Muitas pessoas que têm esse “dom”, conforme explicado no artigo, têm de lidar com traumas provenientes de suas experiências com a violência, o que quase nunca é trivial. Isso pode criar um viés nas suas interpretações, por causa do intenso processo emocional envolvido no desenvolvimento de suas habilidades.

    Além disso, é muito importante que as pessoas entendam que a linguagem corporal faz parte de um sistema de comunicação. Como tal, seus indicadores fazem sentido no contexto de um referencial interpretativo. É um equívoco pensar que todos os gestos e expressões faciais são universais e os mesmos para todas as pessoas, independendo da cultura.

    Na verdade, há um núcleo muito pequeno com as características de universalidade, o que ainda carece de comprovação científica cabal, apesar de bons indícios existirem nessa direção.

    Então, é preciso aprender a interpretar corretamente. Aquilo que intuitivamente alguém já consegue interpretar pela observação do comportamento alheio precisa ser complementado com informações sobre a relevância dos indicadores não verbais e suas possíveis interpretações em determinada cultura.

    Sem essa complementação, a intuição não passará muito do mero palpite…

    Penso que os leitores irão refletir sobre o tema e os que se acham “não naturais” ficarão mais tranquilos para aprenderem as técnicas corretas de observação e interpretação do comportamento não verbal.

    Um abraço
    Sergio Senna

    1. Olá Dr. Sérgio,

      Engraçado que no seriado Lie to Me tal fato (os “naturais” e os que se esforçam para aprender) é colocado como rivalidade… o Lightman mesmo por vezes demonstra isto em relação a Torres.

      Abraço,

      Edinaldo

  4. Olá Dr. Sérgio,

    Parabéns pelo artigo, ficou muito bom! E o assunto é a dúvida de muita gente, pelo que percebi.

    Grande abraço,

    Edinaldo

Deixe sua opinião - Seja educado - Os comentários são moderados