A sombra de Lombroso na análise do comportamento: por que devemos questionar?

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É possível prevenir o crime realizando uma “antecipação” do comportamento criminoso? A Frenologia, Lombroso e parte da análise do comportamento do Sec. XIX  afirmavam que sim…..

Recebo muitas perguntas sobre a análise do comportamento não-verbal e algumas delas se referem ao grau de confiança que podemos ter dos juízos que fazemos a partir da observação desses comportamentos.

O famoso filme Minority Report traz reflexões sobre técnicas para antecipar-se ao comportamento criminoso, prevendo-o e tomando uma providência antes que o crime ocorra. É um filme de ficção, mas seu enredo já figurou em teorias “científicas” construídas no final do Século XIX.

 

As abordagens do “pré-crime” e o comportamento não verbal

Nessa época, diversos especialistas procuravam uma forma de prever o comportamento das pessoas a partir das características físicas por elas apresentadas. Tratava-se de estabelecer uma relação entre algo que se denominava de “personalidade” e o formato da face, da cabeça, de seus elementos constitutivos ou mesmo das medidas de outras partes do corpo.

Nesse contexto, o núcleo do conceito de personalidade consistia em características que poderiam ser consideradas estáveis e diretamente ligadas aos comportamentos dos seres humanos, o que permitia a sua previsão.

♦ FATO

No Sec. XIX, acreditava-se que as características físicas (formato da testa, do nariz, dos lábios etc) seriam indicadores inequívocos da “personalidade”.

Então, segundo essa lógica, bastaria olhar uma pessoa para saber, com razoável certeza, como poderia se comportar em determinada situação.

Desde essa época, a Psicologia avançou bastante, mas ainda atualmente vemos esse mesmo tipo de abordagem, apenas com nomes diferentes….. Procure por Lombroso e a análise do comportamento segundo a Frenologia. Faça uma pesquisa e você tirará as suas próprias conclusões.

 

frenologia-lombroso-e-a-analise-do-comportamentoA Frenologia

Frenologia está relacionada à prática de estudar as saliências no crânio para determinar o caráter, a personalidade e as habilidades mentais de um indivíduo. Foi desenvolvida no início do Sec. XIX por Franz Joseph Gall, um médico alemão, e seu associado Johann Gaspar Spurzheim.

A ideia por trás da prática era que certas partes do cérebro são responsáveis por certos comportamentos e habilidades, e que o tamanho e a forma dessas áreas podem ser detectados ao sentir as protuberâncias no crânio.

A frenologia foi uma pseudociência amplamente praticada na Europa e nos Estados Unidos no SEC. XIX, mas caiu em desuso no início do Sec. XX, quando os avanços científicos levaram a métodos mais precisos de estudar o cérebro e quando as questões atinentes aos direitos humanos começaram a ser levantadas.

As principais críticas à frenologia centram-se na sua falta de validade científica e no elevado potencial violador dos direitos fundamentais. A prática é baseada na crença de que o tamanho e a forma de certas partes do cérebro podem ser determinados ao sentir o crânio, o que foi refutado pela ciência moderna.

Semelhante fenômeno ocorre na análise do comportamento não verbal hoje em dia. sobre isso veja: Qual é a crise no estudo da comunicação não-verbal?

Além disso, a ideia de que o caráter ou que as habilidades mentais de uma pessoa são determinados pelo tamanho ou formato de seu crânio foi amplamente rejeitada pela comunidade científica como pseudociência.

 

Cesare Lombroso e a análise do comportamento

Lombroso e a análise do comportamento
Cesare Lombroso

A história conta que, no final do Séc. XIX, não foi necessário muito tempo para que alguns percebessem que essas abordagens de predição do comportamento pela avaliação da aparência física poderiam ser “úteis” no campo da segurança pública.

Alguns acreditaram que seria possível antecipar-se ao comportamento criminoso, distinguindo seus agentes pelo formato e dimensões de partes do seu corpo. Uma dessas pessoas foi Cesare Lombroso, celebridade da época, que afirmava a tendência inata do criminoso e que seria possível identifica-lo pela sua aparência externa.

Antes do Séc. XIX, abordagens como a Frenologia afirmavam ser possível prever o comportamento criminoso a partir da observação do formato da cabeça. Abaixo, ilustrando o início de nossa postagem, vemos um dos panfletos da época que mostra as áreas que podem revelar a “personalidade” (características relativamente estáveis) do comportamento de alguém.

Nesse mesmo período, também floresceram teorias que se contrapunham ao raciocínio do inatismo e da soberania do corpo na definição dos padrões dos comportamentos humanos.

Um dos principais nomes que podemos mencionar é do francês Alexandre Lacassagne que defendia a influência do meio social para a ocorrência dos comportamentos criminosos.

A análise do comportmento não é como acreditava Lombroso. Cracterísticas físicas não determinam a nossas ações.
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Sebastião Leão e a defesa dos direitos

No Brasil, esse debate não passava ao largo, pois o jovem Dr. Sebastião Leão enfrentou a questão com o propósito de demonstrar que as características físicas não seriam suficientes para prever o comportamento de uma pessoa. Era contrário a Lombroso e a análise do comportamento segundo a Frenologia.

Sebastião Leão foi um médico e notável ativista anti-frenologia no Brasil do século XIX. Nascido em 1821, em Minas Gerais, Leão dedicou sua vida a combater uma pseudociência que estava em voga na época: a frenologia.

Veja detalhes sobre a vida e obra de Sebastião Leão

A frenologia era uma teoria pseudocientífica que afirmava que a personalidade e características mentais das pessoas poderiam ser determinadas pela forma do crânio.

Como médico, Sebastião Leão reconheceu os perigos desta teoria falaciosa, que estava sendo usada para justificar a discriminação racial e social, bem como para promover a crença em hierarquias baseadas em diferenças cranianas.

Leão publicou diversos artigos e ensaios criticando a frenologia e desmascarando suas alegações infundadas. Ele argumentava que a complexidade da mente humana não poderia ser simplificada em medidas cranianas. Sua abordagem científica e perspicaz desafiou a influência da frenologia no Brasil e em outros lugares.

Além disso, Sebastião Leão também era um defensor dos direitos humanos e lutava contra a escravidão. Ele viu a frenologia como uma ferramenta prejudicial para justificar a escravidão e a opressão. Sua oposição à pseudociência fazia parte de seu compromisso com a justiça e a igualdade.

Ao longo de sua vida, Sebastião Leão não apenas se opôs à frenologia, mas também contribuiu para a disseminação de conhecimento científico e ético. Ele deixou um legado de defesa da razão, igualdade e dignidade humana, ao mesmo tempo em que desafiou ideias pseudocientíficas que promoviam o preconceito e a discriminação.

Sua vida e obra continuam sendo uma fonte de inspiração para aqueles que lutam contra a desinformação e a injustiça.

♦ FATO

Sebastião Leão foi um médico e acadêmico brasileiro, renomado crítico da pseudociência da Frenologia.

Seu importante trabalho no campo da ciência médica o levou a contestar a validade das alegações dos frenologistas. Eles argumentavam, por exemplo, que a forma do crânio de uma pessoa poderia ser usada para prever sua personalidade e traços de caráter.

 

Contribuições de Sebastião Leão

Sebastião Leão lutou para:

  • Contestar das alegações dos frenologistas;
  • Proibir o uso da forma do crânio como critério para prever o comportamento;
  • Críticar a metodologia falha dos frenologistas;
  • Valorizar a consideração de fatores sociais e ambientais na análise do comportamento;
  • Proibir a prática da Frenologia;
  • Instalar um laboratório de antropologia criminal;
  • Aumentar a conscientização pública sobre os riscos de pseudociências;
  • Dar voz a grupos marginalizados pela prática frenológica.

O Dr. Sebastião Leão desafiou as alegações dos frenologistas, argumentando que suas teorias eram baseadas em uma metodologia falha e ignoravam fatores sociais e ambientais na formação de uma pessoa.

Sua crítica eficaz levou à proibição da prática da Frenologia no país. Além disso, ele propôs a criação de um laboratório de antropologia criminal e destacou relações entre criminosos e seus atos que não se baseavam apenas em aspectos físicos.

Leão também trabalhou para aumentar a conscientização pública sobre pseudociência, escrevendo artigos e dando palestras sobre o assunto, dando voz àqueles marginalizados pela prática da Frenologia.

♦ FATO

Com a análise do comportamento não-verbal se passa algo semelhante. Não se trata de relacionar o movimento, ou as expressões faciais, ou como as pessoas dispõem seus corpos ou os objetos no espaço com suas “personalidades”.  

Antes, é um exercício de inferência sobre tendências de ação diante de indicadores não-verbais momentâneos.

 

As estranhas semelhanças entre a Frenologia e a Fisiognomia

A fisiognomia e a frenologia, embora distintas, compartilham certas semelhanças:

  • Ambas ganharam força como pseudociências no século XIX ao tentaram correlacionar características físicas com características psicológicas.
  • Baseiam-se em observações subjetivas, sem evidências científicas sólidas.
  • Promovem a construção de estereótipos prejudiciais.

Exemplos:

  • Fisiognomia: alega que o formato do rosto reflete traços de personalidade, associando narizes grandes, por exemplo, à desonestidade.
  • Frenologia: mapeava os “órgãos” no crânio e afirmava que áreas maiores estavam relacionadas a características específicas.

É necessário pontuar que essas pseudociências foram desacreditadas por falta de embasamento científico.

Serviram e servem [até hoje existem aqueles que as valorizam] para a construção de preconceitos raciais e sociais, prejudicando a compreensão da diversidade humana.

♦ DICA

Preconceitos são crenças que se entrelaçam com emoções. São formados por dois núcleos: (1) as premissas [e.g. “pessoas azuis são preguiçosas”] e (2) a emoção.

Então, o preconceituoso, quando vê uma pessoa azul sente raiva. A partir daí, essa crença passa a orientar o comportamento e as decisões da pessoas preconceituosa.

Para saber mais veja: Desvendando os preconceitos: o que são e como reconhecê-los

Conheça mais sobre as semelhanças entre a Frenolofia e a Fisiognomia

Tanto a fisiognomia quanto a frenologia são pseudociências que surgiram no século XIX, e compartilham algumas semelhanças notáveis em suas abordagens e premissas.

Em primeiro lugar, ambas tentavam estabelecer conexões entre características físicas externas e traços psicológicos internos. A fisiognomia afirmava que as características faciais e a forma do rosto poderiam revelar aspectos da personalidade de uma pessoa. Por exemplo, narizes grandes eram associados à desonestidade, enquanto testas amplas poderiam indicar intelecto.

A frenologia, por sua vez, propunha que o formato e os relevos do crânio continham “órgãos” que estavam relacionados a funções mentais específicas. Áreas maiores e mais proeminentes do crânio eram consideradas como indicativas de habilidades ou traços particulares, como a benevolência ou a combatividade.

♦ FATO

Ambas as pseudociências baseavam-se em observações subjetivas, sem evidências científicas sólidas para sustentar suas teorias.

Além disso, ambas promoveram estereótipos prejudiciais, que influenciaram negativamente a percepção das pessoas em relação a si mesmas e a outros.

Essas semelhanças entre a fisiognomia e a frenologia, no entanto, refletem o estado precário da ciência naquela época. Havia uma tendência de buscar explicações simplistas para complexidades da psicologia humana.

Ambas as disciplinas foram posteriormente desacreditadas por falta de base científica sólida. Isso demonstrao perigo de tirar conclusões precipitadas com base em características físicas externas.

Para aprofundar veja: Aparência física e a linguagem corporal: compreendendo as conexões

Conheça a história da Fisiognomia

A fisiognomia tem raízes históricas que remontam à Grécia antiga. Ela foi formalizada e popularizada por Aristóteles e Teofrasto, que estudaram a relação entre características faciais e traços de personalidade.

No entanto, a fisiognomia como a conhecemos hoje teve um grande impulso durante o Renascimento, com o trabalho do pensador italiano Giambattista Della Porta, que escreveu o tratado “De Humana Physiognomonia” em 1586.

Posteriormente, o médico suíço Johann Kaspar Lavater publicou “Fisiognomia” no final do século XVIII, que popularizou ainda mais essa disciplina. Lavater argumentava que as características faciais e físicas de uma pessoa poderiam revelar seu caráter e disposição moral.

A fisiognomia ganhou destaque no século XIX com as obras de Johann Spurzheim, que trabalhou em conjunto com Franz Joseph Gall, o fundador da frenologia. Eles acreditavam que a observação das feições faciais podia fornecer insights profundos sobre a psicologia e a personalidade das pessoas.

♦ FATO

Embora a fisiognomia tenha sido amplamente aceita em seu auge, hoje é considerada uma pseudociência devido à falta de evidências científicas sólidas que sustentem suas alegações.

Ela também foi criticada por promover estereótipos e preconceitos, o que levou ao seu declínio e desacreditação como uma disciplina válida no campo da psicologia e da ciência.

Críticas à interpretação de Lombroso sobre a linguagem corporal: indo além das suposições

A análise moderna do comportamento não verbal não permite e nem proclama 100% de certeza sobre como será o comportamento de uma pessoa, pois ela não desconsidera os três elementos básicos das funções mentais superiores e que nos caracterizam, univocamente, como seres humanos: (1) a ação conscientemente controlada; (2) a memória ativa e (3) o pensamento abstrato.

Diante disso, concluímos que não basta, para analisar o comportamento, perceber a tendência de ação revelada por indicadores do Sistema Nervoso Autônomo.

É necessário considerar o contexto que possa influir nas funções mentais superiores e nos seus desdobramentos comportamentais e também a subjetividade da pessoa que pode alterar o funcionamento das funções elementares ligadas ao sistema nervoso autônomo.

♦ FATO

Não é suficiente perceber que alguém sentiu raiva, o mais importante é verificar o que essa pessoa fará a partir da raiva que sente. Alguém, diante da raiva, pode controlá-la, ressignificá-la e agir de forma assertiva.

Não é aquele primeiro indicador (uma microexpressão de raiva, por exemplo) que será o melhor e inequívoco preditor de seu comportamento.

 

Conheça cientistas da linguagem corporal

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