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Corpo e Mente: Uma Via de Mão Dupla.

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Tempo de leitura: 5 min.

 

No último artigo que escrevi – O Cérebro e as expressões faciais das emoções básicas – iniciei falando sobre como as ciências humanas e a psicologia (apesar de esta se situar numa área intermediária entre as biológicas e humanas) enxergam ainda com desconfiança descrições do comportamento em nível biológico.

Mente X Corpo?

Como previsto, o assunto gerou comentários muito interessantes sobre se tal abordagem não reduziria o comportamento humano à biologia, se as questões subjetivas não desapareceriam em nome de simples modificações no funcionamento cerebral.

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Descartes

Essas questões nascem, sobretudo, por causa de uma concepção dualista do ser humano, baseada na velha proposição filosófica de Descartes, em que o homem seria dividido em mente e corpo. Nesse sentido, essas duas entidades funcionariam independentes uma da outra. Nossa mente seria a alma, e o corpo, um suporte biológico para ela.

Essa visão está ultrapassada por dois motivos: primeiro, Descartes utiliza o paradigma religioso de alma, que se refere a uma entidade metafísica transcendente. Segundo, as evidências atuais sugerem que haja um funcionamento paralelo entre comportamento, estados subjetivos, atividade cerebral e fisiológica, de forma geral, em que todos influenciam uns aos outros.  

Aliás, um grande número de terapias hoje baseia-se nesse olhar, em que cognição e comportamento são esferas conectadas, que estão o tempo todo influenciando umas as outras. É o caso da terapia cognitivo-comportamental (TCC), que tem como base o tripé pensamento, emoção e comportamento, em que qualquer atividade em um desses três itens gera modificações nos outros dois. E isso tudo, claro, é mediado pela atividade cerebral e fisiológica subjacente.

Estudos mostram, ainda, que essa forma forma de terapia é eficaz no tratamento da depressão, o que é visível até mesmo através de uma ressonância magnética, que mostra o aumento de conexões no córtex pré-frontal – área responsável pela racionalidade, pensamento abstrato – e entre ele e áreas do sistema límbico – área ligada às emoções -, o que mostra que o paciente estaria de fato aprendendo a lidar com as emoções através das estratégias da TCC.

Corpo ↔ Mente?

Existe um estudo publicado por Levenson e Ekman em 1983 que é muito interessante e serve para refletirmos sobre esse tema. Eles realizam experimentos divididos em duas etapas. A etapa cognitiva caracterizava-se pelos voluntários relatarem experiências emocionais que haviam tido. A segunda, a fisiológica, era a que os voluntários eram instruídos pelos pesquisadores a moverem os músculos da face em determinadas direções.

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Ekman

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Levenson

 Os individuos não sabiam, mas os pesquisadores estavam guiando-os de acordo com os AUs, (do inglês Action Units, que são os movimentos dos músculos da face que Ekman mapeou e criou um instrumento capaz de identifica-los, o FACS) para que seus músculos faciais formassem expressões faciais de emoções básicas.

 Para não haver interferências, Ekman e Levenson não revelavam quais emoções relacionavam-se com cada expressão, nem os voluntários sabiam que a intenção do estudo era mimetizar expressões de emoções.

As duas  etapas contavam com a medição de parâmetros fisiológicos: batimentos cardíacos, condutância da pele, temperatura do dedo e atividade somática. A importância dessa medição deve-se ao fato de esses marcadores terem a atividade controlada pelo Sistema Nervoso Autônomo (SNA), isto é, são involuntários (cabe ressaltar que apesar de serem ditos involuntários, indivíduos treinados conseguem modificar largamente esses parâmetros conscientemente, como monges budistas tibetanos

O objetivo da pesquisa era descobrir se a contração voluntária dos músculos (AUs) da face, relacionados à determinada emoção básica, evocava reações fisiológicas ligadas à emoção da mesma forma que a lembrança de situações emocionais fazia. Ainda foi possível verificar se existiria um padrão de atividade fisiológica para cada emoção ou se a biologia nada poderia nos dizer sobre estados subjetivos.

Os resultados indicaram a existência de diferenças quanto à ativação fisiológica entre cada emoção.

a) medo e raiva produziram frequência de batimentos cardíacos mais fortes que alegria.

b) raiva produziu uma temperatura do dedo maior que alegria.

 Os resultados a seguir foram obtidos na análise da segunda etapa, que contava só com a contração muscular da face:

 c) raiva, medo e tristeza produziram mais alta frequência cardíaca do que aversão, que as pesquisas atuais indicam ter uma taxa de batimentos bem baixa mesmo.

d) raiva produziu maior temperatura no dedo que o medo, que atualmente parece sofrer mesmo um decréscimo na temperatura. 

 O mais interessante nesse estudo foi a similaridade que as duas atividades mostraram no padrão autonômico do sistema nervoso.

 Esse estudo teve algumas falhas na metodologia que foram corrigidas por estudos posteriores, como o de Levenson e Ekman, em 1990, que, inclusive, aprimorou os resultados encontrados no anterior.

 dualidade-corpo-e-menteCuriosamente, isso sugere que aquilo que chamamos de mente guarda uma íntima relação com o corpo mesmo, reforçando a ideia de que a mente é o resultado da atividade fisiológica cerebral, que por sua vez influencia e é influenciada também pela fisiológica do resto do nosso corpo. São vias de mão dupla de forma que, na maioria das vezes, uma esfera não está totalmente submetida à “vontade” da outra.

 Em suma, essa relação é o que torna possível confiarmos nas expressões faciais como reflexo da atividade emocional individual, o que não faz esquecer que existem aqueles que podem simular expressões faciais, que nem sempre determinada expressão está ligada à emoção e etc. Mas o fato é que tal relação é possível.

 Ainda é possível refletir sobre o papel que a simulação de expressões faciais tem sobre o surgimento de estados subjetivos relacionados. Será que aqueles que estão sempre querendo aparentar um “tipinho” perante os outros não acaba criando o estado subjetivo real, que torna aquele mero tipo numa realidade? Nesse contexto, seria razoável supor que o auto-controle ou a mudança de postura diante dos acontecimentos (pessimismo e otimismo) pode ser obtida através de pequenas ações, como a modificação das expressões faciais voluntariamente?

 Referencias

– Ekman, P., Levenson, R. W. & Friesen, W. V. (1983). Autonomic nervous system activity distinguishes among emotions, Science.

– Levenson, R. W. , Ekman, P. & Friesen, W. (1990). Voluntary Facial Action Generates Emotion-Specific Autonomic Nervous System Activity, Psychophysiology: The Society for Psychophysiological Researcher, Vol. 27, No. 4.

 

 


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Como citar este artigo?

Formato Documento Eletrônico (ABNT)

NOVAES; Felipe C.. Corpo e Mente: Uma Via de Mão Dupla.. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Disponível em < https://ibralc.com.br/corpo-e-mente-uma-via-de-mao-dupla/> . Acesso em 28 Mar 2024.

Formato Documento Eletrônico (APA)

Novaes, Felipe C.. (2012). Corpo e Mente: Uma Via de Mão Dupla.. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 28 Mar 2024, de https://ibralc.com.br/corpo-e-mente-uma-via-de-mao-dupla/.

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2 comentários em “Corpo e Mente: Uma Via de Mão Dupla.”

  1. Prezado Felipe, parabéns por mais essa excelente postagem.

    Você introduz alguns importantes assuntos para o debate:

    – a influência da filosofia na elaboração dos conceitos psicológicos;
    – a eterna questão da dualidade corpo-mente, ainda não superada;
    – a suposta confiabilidade infalível das expressões faciais das emoções básicas.

    Espero que nossos leitores aprofundem os seus estudos e se sintam motivados a trazerem suas dúvidas e observações.

    Um abraço
    Sergio Senna

    1. Obrigado, Sergio!

      Essa questão é muito importante e interessante.
      Mas além disso, ela deve ser sempre considerada pois permeia todo o debate que envolve cérebro, mente, comportamento…Estamos sempre, de uma forma ou de outra, esbarrando nessa questão filosófica.

      Hoje, com novas técnicas, tecnologia aprimorada e novos conceitos, podemos trazer evidências – como a pesquisa que eu citei, mostrando a íntima conexão entre o que acontece em nível corporal e mental – de que a questão cartesiana da mente e corpo como entidades separadas, pode não ter muita razão.

      Mas o debate continua! Inclusive, esse artigo também serviria como um ótimo exemplo para discussão da perspectiva Jamesiana (William James), que considera que a experiência emocional é algo que surge depois da reação fisiológica relacionada à emoção.

      Abraço!

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