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Os neurônios-espelho e as emoções

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Tempo de leitura: 5 min.

Neurônios EspelhoÉ um tanto desafiador para o senso comum pensar numa função tão básica para nosso convívio em sociedade, em família, em círculos de amizade – a empatia – como uma característica embasada na atividade cerebral. Em certas conversas com pessoas não familiarizadas com neurociência, percebi que a compreensão popular às vezes se detém na ideia de que só o que tem relação com o cérebro são funções mais orgânicas como batimentos cardíacos, respiração, sono e etc. Atributos mais abstratos, emocionais e racionais frequentemente evocam uma lógica dualista, em que a mente seria algo cuja substância diferiria da do orgânico.

Escapar do dualismo cartesiano nos liberta para pensarmos em mais possibilidades de funcionamento da mente e do comportamento humanos. Como mencionado em outro texto, existe uma intrincada e íntima relação entre emoção e corpo. Experimentos mostram confiavelmente que a contração dos músculos da face para a formação de expressões faciais de emoções básicas acaba reproduzindo o sentimento dessa emoção em nível neural e subjetivo* (Ekman & Davidson, 1993).

Em relação à empatia verificamos uma relação parecida. Existe toda uma rede de conexões que faz interagir áreas cerebrais, músculos da face e o resto do corpo. Como destaque, cito células chamadas neurônios-espelho. Ainda não se sabe exatamente se estão presentes em todo o cérebro, mas sabe-se que elas participam na produção da imitação de movimentos. Sabe aquela velha história de que o bocejo é contagioso? Então, nesse caso a sabedoria popular está correta. Quando vemos alguém bocejar, essas células são ativadas e imediatamente sentimos vontade de bocejar e executamos o ato, até mesmo irrefletidamente. Com os movimentos corporais é a mesma coisa. Quer ver um exemplo do dia-a-dia?

Repare que quando duas pessoas estão jantando numa mesa em um restaurante, uma tende a copiar a postura da outra. Isso é feito de maneira não consciente (implícita, no jargão das ciências cognitivas). O interessante é que isso não acontece somente no nível de linguagem corporal, mas no emocional também. Tendemos a sentir as mesmas emoções que uma pessoa próxima de nós, com a qual empatizamos [existe uma discussão teórica longa se essa imitação é o que chamamos de empatia ou se nós empatizamos primeiro num nível secreto, psicológico, e depois o organismo fica pronto para mimetizar os movimentos do interlocutor, ou se tudo isso acontece ao mesmo tempo].**

Para explicar melhor essa história, resolvi descrever sucintamente um experimento feito por pesquisadores de vários países (Carr et al, 2003), que visava verificar se a empatia ocorreria graças à ativação de neurônios-espelho localizados em áreas envolvidas no processamento motor, ínsula e áreas límbicas. O objetivo desse estudo é muito interessante e relevante, pois, em suma, achar uma relação positiva entre essas regiões mostraria que a empatia não é um sentimento abstrato no sentido mais extremo da coisa, mas sim algo que, neurologicamente, é a reprodução de movimentos e mesmo emoções, mas sem que isso necessariamente se traduza em movimentos corporais reais. **

Bocejo - Linguagem CorporalO experimento foi bem simples. Onze sujeitos saudáveis foram solicitados a observar expressões faciais de modelos masculinos e femininos, em que apareciam faces completas e, também, somente pedaços (somente o olho, boca e etc). Enquanto faziam a tarefa, seus cérebros eram monitorados por fMRI (ressonância magnética funcional, técnica que permite monitorar em tempo real a atividade cerebral). E duas outras coisas eram pedidas: os participantes deveriam algumas vezes imitar a expressão vista e, em outras, somente observá-la.

A ativação cerebral prevista para esse tipo de trabalho foi a seguinte: o córtex frontal superior codificaria o que estaria sendo visto, no caso, as expressões faciais. Neurônios-espelho do córtex parietal  posterior receberiam a informação, que processariam detalhadamente as sutilezas do movimento visto, com posterior envio ao córtex frontal inferior (região também permeada de neurônios-espelho). Estudos mostram que tal área é responsável pelo entendimento da intenção do movimento. Após isso, córtex parietal e frontal mandam cópias eferentes – uma espécie de cópia virtual do movimento a ser realizado, em outras palavras, denota planejamento de movimento – de volta para o córtex temporal superior, que finaliza esse mecanismo e prevê as consequências sensoriais de um possível plano de imitação do movimento. Lembro que todo esse processo ocorre implicitamente. Nada disso passa por vias conscientes (explícitas).

Em palavras menos “neurotécnicas”, quando vemos uma pessoa realizar um movimento – como uma expressão de tristeza -, nós visualizamos a ação e nossos sistema neural já começa a “entender” esse movimento, sua intenção e etc, e também a planejar a sua imitação, que pode ou não ser colocada em prática – uma pessoa não precisa chegar a imitar a expressão de tristeza da outra para ficar triste também, basta que a cadeia de processamento pare no planejamento do movimento (de forma implícita, de novo, aviso que não tratar-se de um planejamento consciente).

Os resultados do estudo confirmaram as hipóteses dos autores. Isto é, sim, parece que a empatia está ligada à representação de ações alheias, no cérebro do observador. Se você vê alguém chorando, pode ser que sinta alguma pena, compaixão…e isso só é possível porque seu cérebro reproduz o padrão neural do choro, dos movimentos corporais do choro também (Isso é só um exemplo hipotético, para ver o rigor dessa afirmação eu teria que me familiarizar com a literatura da empatia em relação à tristeza, choro e etc. Mas como esquema de entendimento, é bem-vindo). Uma das evidências disso foi a ativação de áreas pré-motoras enquanto os participantes observavam expressões faciais de emoções.

Outra conclusão foi que áreas fronto-parietais relevantes para representação de movimentos, amígdala e ínsula anterior tiveram grande excitação tanto na observação quanto na imitação. Isso indica o acerto de uma das ideias iniciais do experimento, que era mostrar que a empatia envolve ativação tanto de áreas motoras quanto de áreas límbicas, relacionadas diretamente com as emoções (como a amígdala e a ínsula).

Assim, a ideia de que a empatia tem bases neuronais não fica tão abstrata. De fato, é algo coerente e passível de ser mostrado em laboratório. É claro que isso em nada diminui a nobreza de tal sentimento, ou da compaixão, somente reforça nosso entendimento sobre tais características que tanto falam sobre a humanidade.

*Dizer que os efeitos mencionados são neurais e subjetivos é uma escolha epistemológica. Alguns diriam que essa divisão não faz sentido, pois encerraria uma diferença entre estados experienciais (qualia) e neurais, quando na verdade esses qualia não teriam existência ontológica, sendo somente algo que achamos existir por causa da linguagem da psicologia do dia-a-dia (folk psychology), que usa termos como sentimento, emoção, sensação, quando tudo poderia ser substituído – em tese – por uma linguagem cientificamente mais válida, isto é, a da neurociência. Essa posição é conhecida como materialismo eliminativista.

**Estudos muito interessantes, relatados num capítulo do livro recém publicado Entre o Filósofo e Cientista mostra que o mecanismo envolvido na empatia – pelo menos no que tange ao entendimento da intenção alheia na realização de movimentos – abarca somente o funcionamento dos neurônios-espelho do córtex motor e o próprio córtex. Mas o interessante é que só há ativação de áreas frontais do córtex se o movimento for inibido. Isso traz á baila a seguinte reflexão: será que o que chamamos de pensamento nada mais é do que a supressão de comportamentos? E será que a compreensão da intenção alheia relacionada à movimentação corporal seria a ativação das áreas motoras no nosso próprio cérebro, ao invés de ser uma atividade reflexiva?

Referências

Ekman, P. & Davidson, R. J.  (1993) Voluntary Smiling Changes Regional Brain Activity, Psychological Science.
Carr et al. (2003). Neural mechanisms of empathy in humans: A relay from neural systems for imitation to limbic areas.

 


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NOVAES, Felipe. Os neurônios-espelho e as emoções. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Disponível em < https://ibralc.com.br/neuronios-espelho-e-emocoes/> . Acesso em 29 Mar 2024.

Formato Documento Eletrônico (APA)

Novaes, Felipe. (2014). Os neurônios-espelho e as emoções. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 29 Mar 2024, de https://ibralc.com.br/neuronios-espelho-e-emocoes/.

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3 comentários em “Os neurônios-espelho e as emoções”

  1. Belo artigo Felipe. Penso que essa descoberta e lá se vão mais de 30 anos que isso ocorreu por um grupo de cientistas da Universidade de Parma, é um tremendo avanço na compreensão da aprendizagem e da percepção humanas.

    Penso que é mais um passo para entendermos a complexa imbricação entre o psicológico e o orgânico. A existência de uma estrutura específica que nos permite “copiar” mostra a prioridade desse mecanismo para a existência humana.

    O que antes era traduzido em termos como Imprinting, Emparelhamentos de Estímulos, Esquemas de Reforçamento ou mecanismos psicológicos que capacitavam os animais a aprenderem por imitação, agora vem sendo estudado como um mecanismo muito mais sofisticado a partir de suas estruturas orgânicas específicas.

    Espero que nossos leitores aproveitem a leitura e que peçam bis!
    Um abraço
    Sergio Senna

  2. Olá Felipe,

    Excelente artigo, parabéns!! Isso explica um pouco a técnica tão proliferada do “espelhamento”, principalmente utilizada em entrevistas de emprego.

    Abraço,

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