É fácil reconhecer as emoções pelas expressões faciais?

Divulgue e opinie

É fácil reconhecer as emoções pelas expressões faciais? Temos explicado bastante sobre emoções em nossos artigos. Uma das informações que temos difundido é que o estudo das emoções tem se dado pelas respostas emocionais.

É possível dizer que não existe uma teoria sobre emoções que seja integral. O que existem são teorias que enfatizam determinada resposta emocional.

As teorias que conseguiram o maior alcance e foram popularizadas são as que tratam de emoções básicas. Elas estão relacionadas à Psicologia Evolutiva e as suas explicações diretamente ligadas ao funcionamento do Sistema Nervoso Autônomo (SNA).

O que foi desenvolvido pelo Dr. Paul Ekman se enquadra [bastante] nessa ideia. Entretanto, ele andou passeando em uma abordagem mais cognitiva {sentimento] sobre as emoções. Em seu trabalho mais recente sobre o Atlas das Emoções.

Uma das estratégias mais comuns na abordagem cognitiva sobre as emoções é procurar os nomes e os significados para as emoções. Essa forma de realizar a pesquisa gera uma lista sobre como as pessoas se referem às emoções. Ele, então, utilizou as suas “emoções básicas” para organizar uma lista da “família” de emoções, encabeçadas pelas seis [ou sete] emoções básicas.

O que tem sido estudado sobre emoções?

para ficar em dia com as polêmicas e estudos mais recentes sobre emoções veja:

O que são emoções? Linguagem corporal e emoções;

O que são emoções básicasA Face das Emoções

Atlas das emoçõesAtlas das Emoções Humanas – Atlas of Emotions

EmpatiaEmpatia e maturidade emocional

Existem emoções básicas?

Esse assunto é não é trivial, mas Lisa Feldman se pronuncia da seguinte forma em seu artigo:

Seus movimentos faciais transmitem suas emoções para outras pessoas? Se você acha que a resposta é sim, pense novamente. Esta questão está sob debate controverso. Alguns especialistas afirmam que as pessoas ao redor do mundo apresentam expressões específicas e amplamente reconhecíveis, que expressam certas emoções, como sorrir de felicidade, franzir a testa de raiva e arregalar os olhos de medo. Eles apontam para centenas de estudos que parecem demonstrar que sorrisos, carrancas e assim por diante são expressões faciais universais de emoção. Eles também costumam citar o livro de 1872 de Charles Darwin, The Expression of the Emotions in Man and Animals, para apoiar a afirmação de que as expressões universais evoluíram por seleção natural.

Em sua opinião:

[o livro] A expressão, de Darwin, seria visto de forma mais adequada como um texto histórico, não como um guia científico definitivo. Isso leva a uma lição mais profunda: a ciência não é verdade por autoridade. A ciência é a quantificação da dúvida pela observação repetida em contextos variados. Mesmo os cientistas mais excepcionais podem estar errados. Felizmente, os erros fazem parte do processo científico. São oportunidades de descoberta.

O que a autora trata é que as chamadas teorias de emoções básicas possuem alguns pressupostos comuns. Seus autores sustentam que existem expressões que estão tão fortemente relacionadas aos processos emocionais que elas seriam capazes de revelar o processo emocional como um todo. Esse tipo de pensamento científico é conhecido na filosofia como Essencialismo [que trataremos em outro artigo].

facil reconhecer as emoções pelas expressões faciaisO que nos interessa nesse momento é que a Dra. Barrett tem razão em apontar a dificuldade [ou impossibilidade científica] de demonstrar que algo é universal. De forma simplificada, a dificuldade consiste em elaborar uma teoria que explique [e demonstre] que determinado aspecto é regra para todos os seres humanos. Caso haja exceções, a teoria tem que mostrar as razões e criar regras para elas também….. Então dá para entender que é um empreendimento para várias vidas…..

Entretanto, em minha opinião, e é o que venho ensinando há muitos anos, não é necessário que determinado comportamento seja universal para que seja útil. O precisamos é demonstrar que existe um padrão. Essa condição é suficiente para que determinado aspecto possa ser útil na automação de seu reconhecimento.

Desde que o Dr. Ekman teve as suas teorias mundialmente popularizadas e reconhecidas, houve uma corrida pela sua apropriação para utilização em vários campos. Por vezes, essas utilizações se mostram inadequadas e incompletas, o que pode causar muitos problemas. Penso ser essa a principal preocupação da Dra. Barrett.  Como essas teorias são “fáceis” de automatizar, então acabam sendo as preferidas.

Para aprofundar o seu conhecimento sobre se existem emoções básicas, veja o artigo: A Face das Emoções

As expressões faciais revelam as emoções?

Outro assunto instigante a que os profissionais de IA devem estar atentos. As Teorias de Emoções são, na realidade, Teorias sobre as Respostas Emocionais.

Vejamos quais são as principais respostas emocionais (Barrett & Westlin, 2021):

(1) Expressões faciais e movimentos do corpo. Teorias relacionadas com a Psicologia Evolutiva e Comportamental – Observa-se o comportamento não verbal;

(2) Ativação fisiológica – Teorias relacionadas com a Psicologia Evolutiva e com Neurociências – Medem com algum sensor os parâmetros fisiológicos;

(3) Experiência subjetiva com a emoção [é o que “falamos” sobre a emoção], também conhecida como sentimento. Relacionada às Teorias Cognitivas e Cognitivo-Comportamentais. Também podemos classificar nesse grupo as teorias Dimensionais que são construídas a partir da semiótica e da narrativa das pessoas sobre as emoções.

(4) Tendência de ação – Essa resposta emocional serve mais de motivação para muitos teóricos, pois um dos objetivos principais da automação do reconhecimento é “prever o comportamento” já que há uma tendência de ação associada às emoções. 

Então dessa breve explicação, vemos que as teorias de emoções são, na realidade, teorias de respostas emocionais. Não é possível afirmar que a resposta emocional representa o fenômeno emocional como um todo. Então, ao se reconhecer uma expressão facial, NÃO se está reconhecendo a emoção em si, mas estamos tendo uma pista sobre o fenômeno emocional como um todo.

As expressões faciais não são as emoções supostamente a elas associadas.

O que fazer para inferir sobre as emoções?

O primeiro passo é fazer o que está dito no subtítulo: saber que a sua observação é uma inferência. A expressão facial é uma resposta emocional, então ela não é a emoção em si. Outro aspecto importante é que a expressão facial inicial indica o estado inicial da emoção e não o processo de seu desenvolvimento ao longo do tempo.

Algumas emoções podem ser óbvias para serem observadas, e outras não tão fáceis de reconhecer pelas expressões faciais.

Deixe-me explicar melhor: temos seis emoções básicas, conforme imagem abaixo.

linguaguem-corporal-nossa-face-fácil e correto reconhecer as emoções pelas expressões faciais

Onde (a) seria raiva, (b) Medo, (c) Aversão, (d) Surpresa, (e) Alegria e (f) Tristeza

Após demonstrar as imagens e dizer que podemos perceber as emoções justamente pelas expressões da face, e que estas seis emoções são básicas e [supostamente] comuns a todas as culturas – mesmo existindo divergências sobre tal universalidade – quase sempre surge o comentário: observando estas fotos é muito óbvio que tal expressão seja de medo ou outra de surpresa, qualquer um perceberia isto.

Realmente, encararmos uma foto estática é por demais óbvio até para “leigos” (que intuitivamente reconhecem uma expressão de medo, raiva ou alegria…afinal, ele é humano e interage socialmente, assim, não reconhecer tais faces seria um grave problema para sua socialização ou até sobrevivência).

O que desejo é que olhem a questão com um pouco mais de profundidade, além daquele aparente sorriso aberto e declarado ou de uma aparente surpresa (sim, a surpresa verdadeira é mais difícil de perceber, observem que em fotografias, quando queremos aparentar que estamos surpresos, temos que ficar fazendo “caras e bocas” de forma quase estática, para que registremos tal emoção na fotografia).

Para podermos avançar mais uma passo no real entendimento das emoções, temos que começar a perceber as nuances sutis e em quase flashs que nossa face realiza…agora pense: Você sabe reconhecer os músculos envolvidos em um sorriso sincero? Consegue perceber uma rápida aversão na face que é encoberta seguidamente por um sorriso? Ou perceber uma tristeza naquela pessoa que aparentemente esta feliz? Fazendo tais questionamentos, parece que o assunto não é tão mais simples como reconhecer as seis emoções estampadas nas fotos, e realmente não é!

Mesmo sabendo fazer tudo isso, restam as questões apontadas no item sobre se existem emoções básicas. Que sugiro que você retorne e leia novamente com cuidado, pois não é fácil reconhecer as emoções pelas expressões faciais, de forma superficial.

Difundir este tipo de informação é de suma importância para a credibilidade dos estudos nesta área, ex-alunos dos cursos ministrados pelo IBRALE, quando se comprometem com o assunto, quase sempre relatam que começam a perceber situações que antes passavam “despercebidas”, demonstrando que perceber uma emoção pela face não é tão fácil como alguns alegam, e que precisamos de algum treino para melhorar tal percepção.

Além disso, nossos cursos aprofundam nas técnicas de percepção integral das emoções, não somente na dimensão básica delas.

Conclusão – É fácil reconhecer as emoções pelas expressões faciais?

Podemos concluir que os estudos científicos atuais vêm questionando não só a universalidade das chamadas emoções básicas, mas também a própria validade de tal conceito. Então, talvez não seja fácil reconhecer as emoções pelas expressões faciais.

As expressões faciais são respostas emocionais. Como tal, indicam, mas não representam o fenômeno emocional como um todo. Para uma correta interpretação e entendimento das emoções, é necessário que surja uma teoria compreensiva e integral, que consiga integrar as diferentes partes que hoje representam as principais teorias sobre emoções

Seguirei tratando sobre é fácil reconhecer as emoções pelas expressões faciais?. Continue ligado e você estará bem informado.

Boa leitura

Sergio Senna

Referências

Barrett, L. F., & Westlin, C. (2021). Navigating the science of emotion. In Emotion measurement (pp. 39-84). Woodhead Publishing.

Barrett, L. F., & Finlay, B. L. (book under contract). The evolution and development of meaning making. Cambridge, MA: MIT Press.

Barrett, L. F., & Russell, J. A. (Eds.) (2015). The psychological construction of emotion. New York: Guilford.

Ekman, Paul. (2010). A linguagem das emoções. São Paulo: Leya.

Lewis, M., Haviland-Jones, J. M., & Barrett, L. F. (Eds.). (in press). Handbook of emotions, 4th Edition. New York: Guilford.

Opine sobre isso!