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O cérebro e as expressões faciais das emoções básicas

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O cérebro e as expressões faciais das emoções básicas

O fenômeno da emoção é demasiadamente plural. Isso significa que pode ser estudado sob os mais variados pontos de vista: evolucionista, fisiológico, cerebral, subjetivo, individual e socio-cultural. Suspeito que os três primeiros sejam os que o público (e até estudantes de psicologia) olha com mais desconfiança. (Para uma boa discussão sobre emoções básicas, clique aqui)

Entretanto, a análise biológica das emoções pode ser de especial ajuda no entendimento de todos esses “olhares” que, no fundo, se completam. A neurociência, nesse contexto, tem servido muito bem a esse propósito, revelando – entre outras coisas – as bases neurais das emoções e suas expressões faciais.

Em artigo anterior, foi mencionada a importância de lesões cerebrais e condições congênitas, para a compreensão do funcionamento cerebral. No contexto das emoções e expressões faciais das emoções básicas, vale o mesmo raciocínio. Ao contrário do que alguns estudos do início do século XX sugeriram, cada vez mais acumulam-se evidências da existência de circuitos cerebrais e reações fisiológicas específicas para cada emoção (Levenson, 1992; Ekman & Davidson, 1993).

A literatura mostra que danos na amígdala podem ocasionar problemas na identificação de expressões faciais de medo (Adolphs et al, 1994; Calder et al, 1996; Broks et al, 1998; LeDoux, 2003) e também, transtornos relacionados à expressão do medo de forma mais geral. Por exemplo, Felminghamet al (2003), curiosamente, demonstrou que indivíduos que sofrem de Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), ao visualizar faces neutras, apresentavam a mesma atividade cerebral referente à visualização de expressões de raiva, sendo o TEPT um transtorno caracterizado, entre outras coisas, por irregularidades na atividade da amígdala. Isso significa que esses indivíduos não conseguem diferenciar um rosto ameaçador de um pacífico.

Condições como a síndrome de Huntington e transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) também mostram prejuízos específicos em relação ao reconhecimento de emoções, nesse caso, a aversão. Haveria uma base comum entre ambas as condições, levando a tal quadro (Sprengelmeyer et al, 1998).

Esses achados, não obstante, foram desafiados pelo resultado da pesquisa de um grupo de neuropsicólogos (Rolls et al. 1994; Hornak et al. 1996), que sugeriu que a atividade do córtex órbito-frontal era muito mais relevante para o reconhecimento de expressões de emoções do que outras regiões cerebrais. Para tal, empreenderam pesquisas cujos resultados mostraram que as áreas ventrais do lobo frontal, quando lesionadas, produziam o quadro problemático no reconhecimento de qualquer emoção.

Em resposta ao grupo de neuropsicólogos, Sprengelmeyer fez seu estudo analisando as áreas cerebrais envolvidas no reconhecimento da raiva, medo e aversão. Através de Ressonância Magnética Funcional (fMRI) foi observado que as áreas ventrais (córtex órbito-frontal aí incluído) do lobo frontal realmente eram ativadas, mas além delas, outras eram ativadas diferencialmente em cada emoção. Confira as demais áreas relacionadas a cada emoção pesquisada:

Aversão: gânglios da base no hemisfério direito, assim como ínsula na parte anterior esquerda. No hemisfério esquerdo foi observada ativação do córtex insular, que tem sido uma região identificada como o córtex gustatório primário em primatas (Rolls, 1995). Isso pode sugerir a ancestralidade dessa emoção, que primordialmente estaria envolvida em respostas à ingestão de alimentos estragados ou substâncias venenosas, como aponta Darwin em As Expressões das Emoções Nos Homens e Nos Animais.

Medo: o que se espera, com base em inúmeros estudos, é que haja ativação considerável da amígdala, mas não foi o que estudo de Sprengelmeyer verificou. A causa provavelmente remonta à habituação que os voluntários sofreram ao ver repetidamente faces com a expressão de medo. De fato, esse efeito já foi relatado em outros estudos. Mas as áreas ativadas, nesse estudo, foram giro fusiforme e área dorsolateral do córtex frontal esquerdo. E é interessante notar que vários estudos revelaram que o domínio sobre essa emoção é feito justamente pela modulação de áreas corticais frontais e giro fusiforme, que encontram-se mais ativos que a própria amígdala nesses casos, o que reforça a hipótese inicial para a não ativação da estrutura nesse experimento.

Raiva: giro cingulado direito e partes posteriores do hemisfério esquerdo.

Tais pesquisas demonstram de forma confiável que a análise do cérebro pode ser uma importante ferramenta para se compreender melhor as emoções. E isso tem ressonâncias em diversas tarefas, como a criação de melhores técnicas paras para se tratar transtornos mentais e mesmo para compreender as semelhanças entre nós e os outros animais, nos mostrando de onde viemos e, ao mesmo tempo, aquilo que nos faz humanos.

Adicionalmente, podemos avaliar todas essas informações tendo em vista a comunicação não-verbal. Essas modificações no comportamento devido a lesões cerebrais e etc, tem impacto direto nesse tipo de análise comportamental, já que nos faz perceber que nem sempre – ao analisar expressões faciais, por exemplo – estamos lidando com sujeitos neurotípicos.

Observe que deve existir muita cautela nessa hora, pois imagine que estamos analisando a linguagem não-verbal de uma pessoa que sofre de TOC ou algum outro transtorno. Ela não experimenta as emoções e nem expressa-as da mesma forma que nós, portanto, ao analisar cautelosamente cada sujeito devemos ter em mente que não estaremos sempre diante de indivíduos neurotípicos.

Mas, quais cuidados específicos poderiam ser tomados para essa questão individual não passar despercebida? Até onde nossa análise pode dar conta de encarar tantas variáveis na análise do comportamento não-verbal humano? Diga-nos o que você acha sobre essas questões.

 

Referências:

Ekman, P. & Davidson, R. J.  (1993) Voluntary Smiling Changes Regional Brain Activity, Psychological Science.

Felmingham KL, Bryant RA, and Gordon E. Processing angry and neutral faces in post-traumatic stress disorder: An eventrelated potentials study. NeuroReport, 14: 777e780, 2003.

LeDoux, J; (2003). The Emotional Brain, Fear, and the Amygdala, Cellular and Molecular Neurobiology, Vol. 23, Nos. 4/5

Levenson, R. W.; Ekman, P.; Heider, K.; Friesen, W. V. (1992). Emotion and Autonomic Nervous System Activity in the Minangkabau of West Sumatra, Journal of Personality and Social Psychology, Vol. 62, No. 6,-988.

Rolls, E. T. 1995 A theory of emotion and consciousness, and its applications to understanding the neural basis of emotion. In The cognitive neuroscience (ed. M. Gazzaniga), pp. 919^1106. MIT Press.

 


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NOVAES, Felipe. O cérebro e as expressões faciais das emoções básicas. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Disponível em < https://ibralc.com.br/o-cerebro-e-as-expressoes-faciais-das-emocoes-basicas/> . Acesso em 28 Mar 2024.

Formato Documento Eletrônico (APA)

Novaes, Felipe. (2012). O cérebro e as expressões faciais das emoções básicas. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 28 Mar 2024, de https://ibralc.com.br/o-cerebro-e-as-expressoes-faciais-das-emocoes-basicas/.

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12 comentários em “O cérebro e as expressões faciais das emoções básicas”

  1. Acho que é isso mesmo que vc disse, Edinaldo. Somos seres humanos, e como tais, somos muito complexos, tendo comportamentos que tem como origem uma verdadeira rede de causas muitas vezes complexas demais para serem elucidadas.

    Só queria ressaltar que a visão básica que essas opiniões expressam, em relação à influência da biologia nesse campo complexo, é que o nosso comportamento, mente e tal, são tidos como o resultado da atividade cerebral. Assim, claro que eles poderão ser modificados por motivos “racionais” (no caso de uma psicoeducação ou outras ténicas mesmo, como meditação e tal), subjetivos, sociais e por ae vai. No entanto, como isso tudo depende de uma base biológica, se esta estiver modificada, para o bem ou para o mal, também teremos modificações na ordem da subjetividade, racionalidade, interação social, comportamento…Ou seja, tudo aí age em conjunto, de forma indissociável uma da outra.

    Valeu pelo complemento, Edinaldo.

  2. Bem interessante a matéria e as pesquisas envolvidas, contudo fico me perguntando se com a evolução da neurociência não acabaremos tratando todas as desordens mentais com drogas químicas. Afinal parece-me que estão querendo dizer que o cérebro é o responsável por transtornos psíquicos. O cérebro deixou de ser a ferramenta para ser a causa da atividade mental.
    Neste aspecto a ciência está indo por um caminho equivocado. Enfim, o tempo o dirá.

    1. Entendo sua preocupação, Atena. De fato, essa é uma preocupação popular na área de humanas em geral, especialmente na psicologia, que situa-se numa área específica que dialoga tanto com humanas quanto com as biológicas.

      Essa visão é gerada por uma concepção dualística da mente. Pensa-se: ora, existe a mente e o cérebro, e sempre as causas dos problemas cerebrais é a mente.

      Se modificarmos esse paradigma para o de que a mente é resultado da atividade cerebral, veremos que existe uma via de mão dupla quanto a causalidade aí. Como o cérebro (sendo a própria experiência um fato de suma importância para o desenvolvimento do cérebro e, consequentemente, da mente) gera a mente, isso significa que uma deficiência, ou qualquer tipo de modificação nesse órgão, gerará efeitos naquilo que chamamos de mente e vice-versa, pois a atividade voluntária (que tem como substrato orgânico as áreas frontais do córtex) gera efeitos na arquitetura cerebral também.

      Aliás, a própria linguagem não-verbal é um ótimo exemplo disso. Estudos sugerem há muito tempo que a emoção suscita uma expressão facial mas também o fato de simularmos expressões faciais de determinada emoção, faz com que a atividade cerebral e fisiológica relacionada também se ative juntamente com a vivência de estados subjetivos relacionados.

      Obrigado pelo comentário, Atena, acho que a sua dúvida é a de muitos, então escrevei um texto falando sobre isso depois.

      Abraço!

    2. Olá Atena,

      Após ler seu comentário, e pensar um pouco, devemos perceber que o texto aborda uma ferramenta que pode AUXILIAR na detecção de alguns transtornos (como o TEPT) por exemplo. Entretanto, seu tratamento, para uma total eficácia, deverá ser feito com a dupla psicoterapia + medicamentos.

      Logo, percebo a importância que o peso da nossa história tem em moldar nossa relação com o meio.

      Sempre gosto de citar que acredito possuirmos uma base biológica, psicológica e social (e mais recentemente religiosa): estes 4 itens – em medidas diferentes – norteiam nossas vidas.

      Com exceção da biológica, transtornos nas demais áreas podem, no máximo, serem minimizadas, mas nunca resolvidas através de medicamentos ou detectadas por instrumentação “prática”…tudo é um conjunto: imagine tratar tribos, que acreditam falar com deuses, utilizando medicamentos e muita psicoterapia, mesmo assim não faríamos com que eles desacreditassem em tais deuses, pois está na base religiosa e social deles com grande peso, logo, nosso esforço será inútil.

      Diferentemente, poderíamos obter mais êxito na tentativa de desacreditar que um psicótico esteja falando com “amigos imaginários” utilizando medicação e psicoterapia.

      Tudo é um conjunto, e o que eu quero dizer é que não podemos jogar toda nossas apostas em um único item da base (no caso aqui biológico) e em “equipamento detectores de transtornos mentais”, pois somos seres muito mais complexos do que isto.

      Apenas como exemplo na comunicação não verbal, podemos citar a proxêmica, que é regida por termos sociais.

      Abraço,

      Edinaldo Oliveira

  3. Olá Felipe,

    Parabéns por mais este artigo, bastante interessante, pois mostra a importância de criarmos uma “linha de base” do interlocutor, o que ajuda bastante em nossas análises.

    Tem um episódio de Lie to Me que trata sobre uma pessoa com este tipo de deficiência (um ex-soldado, que vive atormentado, chegando a se tornar um risco para sua própria família), não lembro se tratam o caso como TEPT ou Síndrome de Estocolmo..

    Abraço,

    Edinaldo

    1. Achei o episódio: Temporada 2, episódio 14 “React to contract”, e trata sobre TEPT…viajei na síndrome de Estocolmo rsrs

    2. hahaha Isso mesmo, Edinaldo, é um caso sobre TEPT! Esse episódio é bem interessante, mas não lembro os detalhes pra confirmar se foi fiel aos sintomas.

      Aliás, eu já li um artigo bem interessante que fala sobre a importância da pesquisa de expressões faciais das emoções básicas nas patologias, pois permite a criação de instrumentos de diagnóstico não invasivos , rápidos e simples, através da análise da interpretação do indivíduo ao ver as expressões faciais. Existem déficits específicos no reconhecimento específicos para cada patologia. Mas ainda é uma proposta teórica, no caso do TEPT, pelo menos. Ninguém elaborou tal ferramenta. Mas é uma boa idéia.

  4. Bacana a matéria, Felipe! Estou começando a estudar cognição social em pessoas que apresentam TDAH, e um dos elementos que dificultam esse perfil comportamental é justamente o responder emocional. Algumas estruturas, como o estriado ventral, o núcleo caudado e o córtex órbito-frontal, apresentam-se como intimamente envolvidas no comprometimento social desses indivíduos. Embora esses achados possam ser relevantes, entendo que o que proporciona essas diferenças anatômicas e funcionais seja o mais importante. Para ser mais preciso, apenas ao descobrir que fatores, genéticos e/ou ambientais, causam essas diferenças é que poderemos fazer alguma coisa para as pessoas que sofrem dessas defasagens emocionais e, mais amplamente, sociais. Esse é um ponto em que, como venho percebendo, a neurociência e as ciências comportamentais ainda estão engatinhando.

    Parabéns pelo artigo, que ficou bem escrito e é muito informativo. Um abraço!

    1. Obrigado, Daniel!!

      Legal sua pesquisa….ela faz parte de algum grupo de iniciação científica mesmo ou vc está pesquisando sozinho??

      Exatamente, Daniel. Ainda estamos no início da empreitada que é entender o funcionamento cerebral, principalmente no que tange as emoções, mas creio que tenhamos começado bem o primeiro passo.

      O conhecimento nessa área é útil em diversos contextos, tanto no tratamento de transtornos quanto no de proporcionar maior compreensão sobre como eles afetam as mais diversas faculdades humanas, como a linguagem não-verbal.

      Abraço!

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