Como fica a automação do reconhecimento de emoções?

Divulgue e opinie

A automação do reconhecimento de emoções é realmente possível? Sobre esse e outros assuntos, Lisa Feldman Barrett escreveu um artigo de opinião no periódico Scientific American no último dia 27 de abril (2022). O que pretendo fazer é apresentar uma tradução livre de sua matéria e fazer alguns comentários. Como seus argumentos são longos e ela se pronuncia sobre vários assuntos, vou dividir em diversos artigos menores e focar em um tema por texto.

Quem é Lisa Feldman?

É professora de psicologia na Northeastern University onde também conduz pesquisas sobre as emoções. É diretora do Laboratório Interdisciplinar de Ciências Afetivas. Em colaboração com James Russell, ela é a editora-chefe fundadora da revista Emotion Review. Participou de diversas publicações importantes no tema das emoções tais como:

(1) Barrett, L. F., & Finlay, B. L. (book under contract). The evolution and development of meaning making. Cambridge, MA: MIT Press.

(2) Lewis, M., Haviland-Jones, J. M., & Barrett, L. F. (Eds.). (in press). Handbook of emotions, 4th Edition. New York: Guilford.

(3) Barrett, L. F., & Russell, J. A. (Eds.) (2015). The psychological construction of emotion. New York: Guilford.

 

O que interessa a um especialista em IA saber sobre emoções?

Em minha opinião são quatro principais assuntos: (1) Existem emoções básicas? (2) As expressões faciais são realmente universais? (3) Qual seria a confiabilidade de uma IA em reconhecer emoções? (4) Qual teoria de emoções seria a melhor para ser automatizada?   Vejamos como Lisa se pronuncia sobre isso.

 

O que são emoções?

Ninguém sabe ao certo o que são. As diversas teorias sobre emoções que hoje existem são expressão das respostas emocionais. Entretanto, você não vai ler um dos autores dessas teorias admitirem que sua formulação não é completa.

As Teorias de Emoções são, na realidade, teorias sobre as respostas emocionais.

Vejamos quais são as principais respostas emocionais que Barrett e Westlin nos mostram em seu capítulo: Navigating the science of emotion. In Emotion measurement (pp. 39-84). Woodhead Publishing, 2021.

  1. Ativação Fisiológica – você sente alterações que ocorrem no seu corpo. É a garganta que aperta, a barriga que dói, os olhos que lacrimejam etc;
  2. Experiência Subjetiva – além de sentir, você acaba dando uma “explicação”, um sentido para o que está sentindo. A isso chamamos sentimentos, é a experiência subjetiva com a emoção. Então, quando você conta uma história sobre a emoção, aquilo é a sua experiência de dar sentido ao que se passou com você. Como passar do tempo, você pode até mudar de perspectiva sobre as suas emoções, ao que chamamos ressignificação.
  3. Expressão Comportamental – As emoções também se expressam em nosso comportamento motor. Então a movimentação, as expressões faciais são importantes indicadores das nossas emoções.
  4. Tendência de Ação – Essa resposta emocional serve mais de motivação para muitos teóricos, pois um dos objetivos principais da automação do reconhecimento é “prever o comportamento” já que há uma tendência de ação associada às emoções.

Por exemplo, a uma pessoa com raiva podemos associar alguns comportamentos mais violentos. É uma observação probabilística, já que o controle voluntário da ação pode inibir os comportamentos orientados por determinada emoção. Importantíssimo aspecto para ler sua própria linguagem corporal.

Existem emoções básicas?

Esse assunto é não é trivial, mas Lisa Feldman se pronuncia da seguinte forma em seu artigo:

Seus movimentos faciais transmitem suas emoções para outras pessoas? Se você acha que a resposta é sim, pense novamente. Esta questão está sob debate controverso. Alguns especialistas afirmam que as pessoas ao redor do mundo apresentam expressões específicas e amplamente reconhecíveis, que expressam certas emoções, como sorrir de felicidade, franzir a testa de raiva e arregalar os olhos de medo. Eles apontam para centenas de estudos que parecem demonstrar que sorrisos, carrancas e assim por diante são expressões faciais universais de emoção. Eles também costumam citar o livro de 1872 de Charles Darwin, The Expression of the Emotions in Man and Animals, para apoiar a afirmação de que as expressões universais evoluíram por seleção natural.

Em sua opinião:

[o livro] A expressão, de Darwin, seria visto de forma mais adequada como um texto histórico, não como um guia científico definitivo. Isso leva a uma lição mais profunda: a ciência não é verdade por autoridade. A ciência é a quantificação da dúvida pela observação repetida em contextos variados. Mesmo os cientistas mais excepcionais podem estar errados. Felizmente, os erros fazem parte do processo científico. São oportunidades de descoberta.

O que a autora trata é que as chamadas teorias de emoções básicas possuem alguns pressupostos comuns. Seus autores sustentam que existem expressões que estão tão fortemente relacionadas aos processos emocionais que elas seriam capazes de revelar o processo emocional como um todo. Esse tipo de pensamento científico é conhecido na filosofia como Essencialismo [que trataremos em outro artigo].

O que nos interessa nesse momento é que a Dra. Barrett tem razão em apontar a dificuldade [ou impossibilidade científica] de demonstrar que algo é universal. De forma simplificada, a dificuldade consiste em elaborar uma teoria que explique [e demonstre] que determinado aspecto é regra para todos os seres humanos. Caso haja exceções, a teoria tem que mostrar as razões e criar regras para elas também….. Então dá para entender que é um empreendimento para várias vidas….. Entretanto, em minha opinião, e é o que venho ensinando há muitos anos, não é necessário que determinado comportamento seja universal para ser útil.

Precisamos é demonstrar que existe um padrão. Essa condição é suficiente para que determinado aspecto possa ser útil na automação de seu reconhecimento. Desde que o Dr. Ekman teve as suas teorias mundialmente popularizadas e reconhecidas, houve uma corrida pela sua apropriação para utilização em vários campos.

Por vezes, essas utilizações se mostram inadequadas e incompletas, o que pode causar muitos problemas. Penso ser essa a principal preocupação da Dra. Barrett.  Como essas teorias são “fáceis” de automatizar, então acabam sendo as preferidas. Para aprofundar o seu conhecimento sobre se existem emoções básicas, veja o artigo: A Face das Emoções

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As expressões faciais revelam as emoções?

Outro assunto instigante a que os profissionais de IA devem estar atentos. As Teorias de Emoções são, na realidade, Teorias sobre as Respostas Emocionais. Vejamos quais são as principais respostas emocionais (Barrett & Westlin, 2021):

(1) Expressões faciais e movimentos do corpo. Teorias relacionadas com a Psicologia Evolutiva e Comportamental – Observa-se o comportamento não verbal;

(2) Ativação fisiológica – Teorias relacionadas com a Psicologia Evolutiva e com Neurociências – Medem com algum sensor os parâmetros fisiológicos;

(3) Experiência subjetiva com a emoção [é o que “falamos” sobre a emoção], também conhecida como sentimento. Relacionada às Teorias Cognitivas e Cognitivo-Comportamentais. Também podemos classificar nesse grupo as teorias Dimensionais, construídas a partir da semiótica e da narrativa das pessoas sobre as emoções.

(4) Tendência de ação – Essa resposta emocional serve mais de motivação para muitos teóricos, pois um dos objetivos principais da automação do reconhecimento é “prever o comportamento” já que há uma tendência de ação associada às emoções.

Então, dessa breve explicação, vemos que as teorias de emoções são, na realidade, teorias de respostas emocionais. Não é possível afirmar que a resposta emocional representa o fenômeno emocional, na totalidade. Então, ao se reconhecer uma expressão facial, NÃO se está reconhecendo a emoção em si, mas estamos tendo uma pista sobre o fenômeno emocional na totalidade.

As expressões faciais não são as emoções supostamente a elas associadas.

Qual seria a confiabilidade de uma IA na automação do reconhecimento de emoções?

Como anteriormente argumentamos, se a resposta emocional nos dá pistas sobre a emoção, mas não é a emoção em si, estamos diante de um grande dilema….. Eu sempre escrevo com a intenção de dar sustentação científica a outros profissionais que precisam de conhecimentos do campo da Psicologia. Minha intenção nunca é barrar o avanço tecnológico, mas sim levantar as questões e propor alternativas teórico-metodológicas.

Nesse contexto, eu creio que o mais correto a fazer é sempre mencionar as possibilidades e limitações de determinado sistema cibernético. No caso das emoções, é admitir que o sistema reconhece as expressões de uma emoção, mas o fenômeno emocional não se restringe às suas respostas e que exite um padrão, mas que não é universal. Para tanto, é preciso abdicar da ideia de que o sistema consegue reconhecer mais do que isso…. o que não será nada fácil para alguns.

 

Qual teoria de emoções seria a melhor para a automação do reconhecimento de emoções?

Provavelmente uma teoria integrativa sobre emoções será bastante complexa e mais difícil de ser automatizada, considerados os avanços tecnológicos atuais. Nesse contexto, as Teorias de Emoção Básicas e as Teorias Dimensionais são as mais fáceis de serem automatizadas e podem ser usadas em protótipos ou modelos teóricos. Entretanto, o cientista de dados, engenheiro de computação e outros profissionais que tenham interesse nesse assunto têm que estar cientes de que, ao apropriar-se dessas teorias, está automatizando as respostas emocionais a elas associadas como anteriormente explicado.

Reconhecendo as limitações da automação do reconhecimento de emoções e divulgando o que os sistemas iniciais realmente são capazes de realizar, imagino que a pesquisa possa avançar a passos largos.

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Toda terça-feira, um tópico sobre educação socioemocional, linguagem corporal e emoções.

Deixo o link para o artigo completo da Dra. Barrett: Darwin Was Wrong: Your Facial Expressions Do Not Reveal Your Emotions

 

Referências

Barrett, L. F., & Westlin, C. (2021). Navigating the science of emotion. In Emotion measurement (pp. 39-84). Woodhead Publishing.

Barrett, L. F., & Finlay, B. L. (book under contract). The evolution and development of meaning making. Cambridge, MA: MIT Press.

Barrett, L. F., & Russell, J. A. (Eds.) (2015). The psychological construction of emotion. New York: Guilford.

Lewis, M., Haviland-Jones, J. M., & Barrett, L. F. (Eds.). (in press). Handbook of emotions, 4th Edition. New York: Guilford.

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