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Tentativas de prevenção contra psicopatas

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Tempo de leitura: 6 min.

Ao longo dos textos sobre psicopatia do Ibralc – e mais pelos comentários dos últimos dois que postei – parece ter emergido uma questão interessante: seria possível anteciparmos a ameaça de um psicopata? Isto é, poderíamos saber que se trata de um desses predadores sociais antes que eles mostrem suas garras?

Os filmes e a literatura sobre o assunto nos mostram que os indivíduos portadores de traços de personalidade antissocial costumam ser muito sedutores à primeira vista. Rapidamente eles atraem a atenção e engambelam os outros em seus planos que só visam beneficiar a si mesmos.

O sofrimento resultante disso, claro, é muito grande, tanto pelo fato de suas vítimas descobrirem a enganação quanto pelos próprios danos diretamente causados, que podem ser relacionados a falsificações, roubos ou até mesmo morte.

Por isso, técnicas que possibilitassem a todos terem noções básicas e eficientes de como identificar um psicopata antes que ele causasse danos irreparáveis teriam enorme valor. Desse modo, resolvi buscar em pelo menos uma base de dados (diretórios onde podemos pesquisar por artigos científicos) sobre a existência de estudos relacionados a esse tema.

Achei apenas um, do ano passado (2011), feito por Nicholas S. Holtzman, da Washington University. O pesquisador trabalhou não só com psicopatia, mas com dois outros tipos de personalidade: narcisista e maquiavélica.

 

Tentativas de prevenção

A pergunta feita no início do texto não é muito original, pois vários estudos parecem ter empreendido esforços nessa direção (Back et al. 2010; Fowler, Lilienfeld & Patrick, 2009). Todavia, o ponto fraco desses estudos é que todos se focaram na vestimenta dos indivíduos testados.

As roupas, por serem um traço estilístico muito manipulável e mutável, acabam não sendo um indicador tão eficiente dos traços de personalidade. Assim, o ideal seria ter algum que fosse mais difícil de ser burlado. E, como você já deve estar desconfiando, um dos melhores que podemos pensar são as expressões faciais.

 

 Um melhor indicador

psicopatas-02O artigo se refere, mais especificamente, à estrutura craniofacial, que pode trazer preciosas informações sobre esses três tipos de personalidade. E essa tríade possui algumas características fundamentais em comum, que podem ser medidas, como o hábito de manipular os outros e usá-los com fins exploradores.

 Distinções-chave também ocorrem: maquiavélicos são mais introvertidos e causadores de intrigas, narcisistas costumam ser mais egoístas e psicopatas são mais imprudentes e exibem tendências a cometer crimes. Apesar desses elementos, as semelhanças torna coerente a abordagem dessa tríade de forma unida no estudo.

 

Metodologia

Resumidamente, a metodologia usou dois tipos de abordagem. A primeira foi o uso de diversos questionários para avaliar os traços desses três tipos de personalidade. O segundo – o que também foi apontado como uma inovação desse estudo – foi o relatório por pares (peer-report), em que os voluntários da primeira amostra, eram incumbidos de recrutarem por e-mail outras pessoas para o experimento. Os indivíduos recrutados também respondiam a uma série de perguntas que tinham o mesmo fim das da primeira fase (para mais detalhes, consulte o artigo como na referência no fim do texto).

 Várias fotos eram tiradas desses voluntários, que apresentavam face neutra. A partir daí, elas eram separadas de acordo com o estereótipo de face atribuído a cada personalidade em estudo anterior (Penton-Voak, Pound, Little & Perrettm 2006). Não ficou claro no artigo se as fotos eram manipuladas de alguma forma para que a estrutura craniofacial ficasse mais perto do que era desejado em cada caso.

 

Um resgate do século XIX?

Pode ser que o leitor possa ter feito alguma relação com antigas disciplinas do século XIX e início do XX, como a Frenologia e com os estudos do italiano Cesare Lombroso.

psicopatas-03

Resumidamente, na abordagem da frenologia acreditava-se que cada área cerebral seria responsável por uma característica da personalidade. E isso levou à crença de que era possível avaliar mesmo realizar um teste e montar um perfil do indivíduo, baseando-se nas ondulações do crânio. Essa relação era possível para alguns estudiosos da época porque acreditava-se que quanto mais de determinada característica uma pessoa tivesse, mais aquela área cerebral crescia. E esse crescimento do tecido cerebral empurraria o crânio, produzindo os “calombos”. Tal abordagem foi muito criticada na época mesmo, pois muitos neurologistas não viam como um tecido tão frágil como o cerebral poderia empurrar um osso tão resistente quanto o crânio. Mas mesmo assim, por razões mais socioculturais do que científicas mesmo, a ideia ficou bem famosa.

Outro elemento poderoso foi a abordagem de Lombroso. O italiano acreditava que através da anatomia poderíamos conhecer a personalidade das pessoas. Assim, popularizou-se a anatomia do assassino, por exemplo, em que supercílios grandes, face angulosa e queixo pronunciado, por exemplo, era sinal de agressividade.

Tais conhecimentos hoje se provaram incorretos, então, caso o leitor faça alguma relação entre esses estudos antigos e o usado como base deste texto, saiba que não é o caso. O presente estudo é pioneiro e no próprio artigo é dito que para que ele seja levado mais à sério pela comunidade científica, é preciso que ele seja replicado por outros pesquisadores e etc.

 

E a Fisiognomia?

Em relação à essa técnica, não existe muitos comentários a serem acrescentados. Um dos principais aspectos que distinguem-na do estudo de Nicholas S. Holtzman é que essa disciplina não é uma ciência. A ausência da aplicação desse método faz com que ela seja relacionada, muitas vezes, à astrologia e outras atividades sem o crivo científico. E, de fato, ela guarda algumas semelhanças, como sua origem milenar e tentativa de observação holística do ser humano.

O holismo tenta analisar o ser humano em seu aspecto global, sem que haja o reducionismo tipicamente científico. Porém, esse reducionismo é necessário ao se querer analisar um fenômeno e elaborar meios para testar as conclusões de tal estudo. Sem isso, temos resultados indesejáveis numa pesquisa, como o seguimento de determinada interpretação com base em argumentos de autoridade como o de “é uma técnica milenar” ou “ah isso foi dito por tal pessoa importante”.

Muitas vezes – e isso vale para fisiognomia, astrologia, grafologia, tarô e até mesmo, dizem alguns, para algumas técnicas projetivas e expressivas da psicologia – um mesmo elemento é interpretado de modos diferentes por dois especialistas. Links sobre a fisiognomia: Entrevista no Programa do Jô   e um site sobre o assunto.

Recomendo a leitura do artigo O estudo da linguagem corporal é uma ciência? para quem se interessar mais por essa história de se alguma coisa é ciência ou não.

 

 O resultado e além

psicopatas-04Um dos aspectos interessantes do resultado foi o efeito de gênero. Parece que, comparando com a de homens, as faces femininas denunciavam mais facilmente qual o tipo de personalidade vinculada à estrutura da face.

 No entanto, uma série de falhas metodológicas podem ter produzido esse efeito, como o fato de as voluntárias femininas terem mais características extremas do que os homens que participaram da composição das fotos.

 Ou talvez exista mesmo um viés de gênero que facilite de alguma forma a detecção dessas características em faces femininas. De qualquer forma, Holtzman alerta para a necessidade de mais estudos para ampliarem e replicarem seus resultados.

O estudo nos deixa um legado muito precioso e inovador. Segundo seus resultados pioneiros, observadores podem avaliar com sucesso se a personalidade de seu interlocutor é psicopática, maquiavélica ou narcisista, a partir de faces neutras. Como as três estão relacionadas a indivíduos extremamente danosos para aqueles com os quais convivem – especialmente os psicopatas – a ampliação dessa habilidade pode aumentar em muito nossas chances de prevenirmos tal mal.

Mas, Holtzman nos faz refletir para além desses resultados práticos. Ele nos faz reforçar as evidências que mostram que somos seres psicossociais, mas essa esfera está diretamente ligada à nossa biologia, isto é, à aspectos físicos também. E no fim das contas, tudo isso interage e forma aquilo que somos.

 

Referências

Holtzman N. (2011). Facing a psychopath: Detecting the dark triad from emotionally-neutral faces, using prototypes from the Personality Faceaurus, Journal of Research in Personality 45 (2011) 648–654.

 Back, M. D., Schmukle, S. C., & Egloff, B. (2010). Why are narcissists so charming at first sight? Decoding the narcissism-popularity link at zero acquaintance. Journal of Personality and Social Psychology, 98, 132–145.

 Fowler, K. A., Lilienfeld, S. O., & Patrick, C. J. (2009). Detecting psychopathy from thin slices of behavior. Psychological Assessment, 21, 68–78.

 Penton-Voak, I. S., Pound, N., Little, A. C., & Perrett, D. I. (2006). Personality judgments from natural and composite facial images: More evidence for a ‘‘kernel of truth’’ in social perception. Social Cognition, 24, 607–640.

 


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Como citar este artigo?

Formato Documento Eletrônico (ABNT)

PIRES, Sergio Fernandes Senna. Tentativas de prevenção contra psicopatas. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Disponível em < https://ibralc.com.br/previna-se-contra-psicopatas/> . Acesso em 18 Apr 2024.

Formato Documento Eletrônico (APA)

Pires, Sergio Fernandes Senna. (2012). Tentativas de prevenção contra psicopatas. Instituto Brasileiro de Linguagem Emocional. Recuperado em 18 Apr 2024, de https://ibralc.com.br/previna-se-contra-psicopatas/.

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13 comentários em “Tentativas de prevenção contra psicopatas”

  1. Pessoal, interessante essa discussão levantada, sobre a percepção das expressões, consciência, inconsciente e tal.

    Existem estudos que mostram que nós somos capazes de detectar emoções de forma implícita através de tarefas em que um video com frames que duram milissegundos apresentam faces de raiva ou medo. Nesses casos, a amígdala reage da mesma forma que reagiria se o estímulo tivesse sido apresentado de forma explícita.

    Isso abre espaço para muitas possíveis explicações para fenômenos do dia-a-dia, como a famosa intuição, por exemplo. Nós processamos uma quantidade enorme de informações do ambiente e não nos damos conta disso muitas vezes.

    1. Olá Felipe, acho que a sua argumentação no comentário é um tema interessante para apresentar aqui, já que algumas pessoas podem confundir respostas do Sistema Nervoso Autônomo a estímulos rapidamente processados com processos psicológicos inconscientes teorizados por algumas abordagens em psicologia.

      Abraço
      Sergio Senna

  2. “Segundo seus resultados pioneiros, observadores podem avaliar com sucesso se a personalidade de seu interlocutor é psicopática, maquiavélica ou narcisista, a partir de faces neutras.”

    Permita-me questionar um pouco o estudo, meu caro. Qual o margem de acerto dos participantes? Todas as pessoas cujas faces participaram do estudo tinham um desses três diagnósticos de personalidade? Se sim, a chance de acerto já é de 1 em 3, independentemente da fotografia. Se não, qual a porcentagem de pessoas-foto recebeu cada diagnóstico e qual porcentagem não recebeu qualquer diagnóstico?

    Abraço!

  3. Felipe, entendo teu ponto de vista. Mas convenhamos, soa-me ficção; além do que, já temos várias experiências neste sentido e que são mais risíveis do que sérias, diante do avanço do conhecimento da Psicologia Humana e Animal.

    Lógico que diante de tua percepção de mundo, esses tais estudos são perfeitamente “lógicos” e aceitáveis. E, por isso, vou provocar: o que te faz classificar como “irrelevante” a empatia? Isto só me mostra que tua análise do ser humano desconsidera o mesmo e sua relação com o mundo, está tendo um ponto de vista limitado diante da complexidade do ser humano.

    1. João, houve um mal entendido.

      Eu não disse que a empatia é irrelevante no sentido absoluto da coisa. Disse que para o objetivo e conclusões (ainda que incertas) do estudo que usei como base, a empatia não era um fator relevante, pois eles nem mesmo levaram em considerações faces com expressões faciais de emoções, mas sim faces neutras. E demonstraram que mesmo assim as pessoas conseguiam classificar bem ou mal a face dos indivíduos mesmo sem apresentar emoções. Daí, eles apontam que é algo relacionado à estrutura craniofacial mesmo.

      E é claro que a empatia é importante, que as relações são importantes; não quis desmerecer esse aspecto em momento algum.

      João, indico aqui abaixo alguns links sobre essa suposta dicotomia entre natureza e cultura, ambiente e etc, que eu mesmo escrevi. Espero esclarecer suas dúvidas. Qualquer comentários/crítica, fique à vontade. É das discussões e discordâncias que surgem as grandes idéias :)

      http://ads.tt/WsCvqA (A falsa dicotomia Natureza X Cultura)
      http://ads.tt/V9LZjg (Inato X Aprendido (Parte 2))
      http://ads.tt/fP_q1Q (Instintos, Sociedade e as Causas da Violência)
      http://ads.tt/Nrus0Q (Inato X Aprendido (Parte 1))

      E esses aqui, do próprio Ibralc

      http://ads.tt/nc_-Fw (As esferas de análise do comportamento: a filogênese do medo)
      http://ads.tt/1y_sjA (O sobressalto pode ser controlado? O auto-controle emocional extraordinário dos monges)

      Abraço!

    2. Olá João,

      Interessante que vendo este artigo me lembrei de uma passagem do livro “A linguagem das emoções”, do Dr. Ekman (2011), só não lembro a página, em que o mesmo citava que sempre estamos sentindo algum tipo de emoção, mesmo que de forma não consciente, e que a mesma por ser tão “imperceptível” nós não a expressamos.

      Partindo deste ponto, se não percebemos tais emoções “tão intimas”, não expressamos nenhuma emoção na face, ou seja, estamos com a face neutra. Talvez tal estudo pode ter sido motivado por tentar descobrir como investigar tais emoções tão profundas.

      Já que o estudo se direciona neste sentido, porque não tentar obter alguma vantagem? Analisar possíveis tipos de personalidades através de tal investigação pode trazer vantagens incalculáveis.

      ENTRETANTO, aqui no IBRALC, trazemos diversos assuntos debatidos no mundo (seja uma pesquisa mais consolidada ou outra em estágio inicial), nossa intenção é DEIXAR O LEITOR SINTONIZADO COM O QUE EXISTE DE MAIS NOVO EM TERMOS DE PESQUISAS CIENTÍFICAS (SE ELA JÁ FOI VALIDADA COMO “VERDADEIRA” OU NÃO, SÓ OS RESULTADOS DE NOVAS PESQUISAS DIRÃO).

      Publiquei esta semana um artigo sobre como andam as emoções no mundo :: http://ibralc.com.br/curiosidades/como-andam-as-emocoes-no-mundo/ :: achei interessante que os leitores do IBRALC soubessem que tal pesquisa existe, se ela está correta ou não, é outra história, o fato é que o leitor ficará antenado com o que existe de mais recente.

      Debater o assunto do artigo é válido, entretanto, só teremos respostas concretas quando outros cientistas da área testarem a teoria mais firmemente, até lá, podemos apenas especular sobre o assunto.

      No final do artigo, inclusive, o próprio autor reconhece as limitações da pesquisa.

      Pode ler a pesquisa original em: http://www.nickholtzman.com/Holtzman%202011%20Facing%20a%20psychopath.pdf

      É isto..Abraço,

      Edinaldo Oliveira

    3. Edinaldo, não li a produção do Dr. Paul Ekman, mas me veio uma dúvida diante do que você traz.

      Você escreve: “se não percebemos tais emoções ‘tão intimas’, não expressamos nenhuma emoção na face”.

      Perceber é uma atitude da consciência, pelo que entendo. A janela de consciência é muito menor que a inconsciente. Então, a maior parte das emoções não são percebidas.

      Daí, minha questão: o Dr. Ekman sugeriu que tudo que é expressado na face (e no corpo, incluo aqui) é percebido?

      1. Olá João,

        Bom, ele acredita que geralmente expressamos nossas emoções através da face, ou seja, nosso discurso verbal geralmente é congruente com nossa comunicação não verbal (daí quando não existe tal congruência, podemos perceber que pode haver alguma mentira, desconforto, etc no que é expresso verbalmente).

        Diante disto, e levantando o questionamento da face neutra, ele citou a passagem que te falei: emoções tão sutis podem escapar da manifestação pela expressão facial, no entanto, estarmos com a face neutra não indicaria total ausência de emoção, pois geralmente estamos sentindo algum tipo de emoção (talvez tão intima que não expressamos pela face).

        Contextos sociais também podem inibir nossas expressões, como quando entramos em um elevador ou estamos em um ônibus cheio, geralmente fazemos uma cara que chamamos por aqui de “cara de pastel”, sem expressão alguma. Na verdade, por estarmos desconfortáveis pela aproximação dos outros, tendemos a fazer essa “cara de enterro”, evitando deixar transparecer nossas emoções.

        Não posso detalhar mais pois estou sem o livro e não me lembro de tudo em detalhes, recomendo que faça a leitura do mesmo, não vai se arrepender.

        Abraço,

        Edinaldo Olivera

  4. Felipe Novaes, escreves bem.
    Tua pesquisa foi bacana para fundamentar o artigo.

    E restou-me, ainda, a dúvida que o título do artigo intenta responder: há como prevenir-se contra psicopatas?

    Se os mesmos são indivíduos com incapacidades afetivas de empatia, como podemos nós ler?

    Penso assim: (a) as emoções são manifestadas no corpo; (b) emoções naturais se manifestam num lapso de tempo menor que as interpretadas; (c) treinado, terei condições de perceber o tempo de reação do sujeito ante uma realidade; (d) sendo um psicopata que interpreta emoções, com um atraso de reação emocional, demonstra que não foi afetado diante de determinado contexto.

    O que pensa você e os outros?

    1. Olá, João!

      Então, a intenção do artigo foi mostrar que existem esforços, ainda que num estudo pioneiro, de mostrar que daqui a algum tempo possa existir algum modo de identificarmos essas pessoas, nem que seja por características morfológicas da face. Aliás, não só psicopatas, mas outros tipos de pessoas com personalidades problemáticas. Nesse sentido, o fato de o indivíduo a ser identificado ter empatia ou não é irrelevante, já que não seria avaliado o comportamento dele.

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