Quais são os tipos de gestos? | Um guia para entendê-los

Divulgue e opinie

Você sabe quais são os tipos de gestos? O que seria um emblema, um ilustrador ou manipulador? Qual a importância de tais gestos na contextualização da nossa comunicação? É sobre isso que trataremos nesse artigo: os gestos.

Existem diversas formas de classificar os gestos e esse assunto vem sendo amplamente tratado na literatura científica desde o início do Séc. XX.  Lacombe, Dias & Petitpierre (2022, p.1) nos explicam esse tema da seguinte forma:

amplo consenso na literatura científica sobre a classificação dos gestos que utilizamos de forma concomitante ao nosso pensamento e à nossa fala. A maioria dos autores adota o modelo teórico de McNeill (1992), que diferencia quatro tipos de gestos: (1) gestos icônicos que estão intimamente relacionados ao conteúdo semântico expresso pelas palavras faladas (por exemplo, dizer “eu virei a forma” enquanto indicando o sentido de rotação com a mão); (2) gestos metafóricos que se assemelham a gestos icônicos, mas se referem a um conceito ou a um objeto abstrato (por exemplo, dizer “é a mesma coisa” abrindo a mão direita e a esquerda para indicar equivalência); (3) gestos de apontar que indicam ou apontam para objetos concretos ou abstratos (por exemplo, dizer “eu fui lá” enquanto aponta o dedo para indicar a direção); e (4) batidas, ou seja, gestos que dão ritmo à fala sem um significado próprio (por exemplo, falar e produzir microgestos para cima e para baixo ou para frente e para trás para acentuar certas palavras). O mesmo gesto pode ser categorizado de forma diferente, dependendo do contexto; às vezes apontar não indica, mas comunica conteúdo icônico.(grifos nossos).

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Certa confusão pode ocorrer por causa das diferentes classificações dos gestos. é muito comum que se realize uma categorização pela função que o gesto desempenha.

Dessa forma, um mesmo gesto pode cumprir mais de uma função, o que pode causar dúvidas que só poderão ser resolvidas verificando o emprego do determinado gesto no contexto específico.

É o caso, por exemplo, o gesto de apontar que pode também estar metaforicamente relacionado a “ficar maluco” se apontando para a cabeça.

Então é sempre uma sábia decisão escolher uma classificação que facilite o seu trabalho acadêmico e cujos pressupostos também estejam alinhados com os demais autores que você vai pesquisar e utilizar.

Por esse motivo, me permito discordar de Lacombe, Dias & Petitpierre (2022) e recomendar que, salvo alguma necessidade especial, seja utilizada a classificação proposta por Ekman e Friesen (1969, 1972) e exlicada por Ekman (1976, 2004). A principal vantagem que eu percebo é ser menos polêmica e causar menos confusão, apesar também de ser uma classificação por funções. O que veremos a seguir.

Aproveito para recomendar a leitura do artigo “Como a comunicação não verbal influencia o que falamos?“, cujo título já representa o objetivo da matéria.

Quais são os tipos de gestos?

De acordo com os estudos do Dr. Paul Ekman (2004), os tipos de gestos são:

  • Emblemas;
  • Ilustradores;
  • Manipuladores.

A palavra Emblema foi originalmente empregada por David Efron (1941) para descrever gestos que têm significados muito precisos e anteriormente negociados entre os integrantes de um determinado grupo cultural. Os emblemas são usados ​​de forma tão deliberada e consciente quanto as palavras faladas, e se distinguem por serem utilizados para transmitir um significado em seu uso isolado ou concomitante com outras mensagens.

É o caso do polegar para cima, universalmente conhecido, desde da Roma Antiga, e atualmente popularizado como um significado metafórico de curtir, gostar, positivo etc.  Mas você sabia que a informação sobre a origem desse gesto como o meio de salvar a vida de um gladiador é um mito

Significado é a palavra usada para representar a versão coletiva de uma representação semiótica. Sentido é a versão pessoal que cada um de nós constrói a partir dos significados.

Existem muitos mitos sobre linguagem corporal. Cuidado! Conheça alguns em nossa página de mitos.

A verdade é que ninguém sabe exatamente qual era o sinal usado para salvar a vida de um gladiador. Alguns acadêmicos argumentam, a partir de texto da época que era justamente o contrário do que se acredita. Que o dedão para baixo significava para baixarem as espadas e determinava o término do combate ou mesmo que ninguém sabe realmente qual era o sinal (Bright, 2020; Murray, 2003).

A origem de tal mito vem sendo creditada à pintura de Jean-Léon Gérôme –  Pollice Verso – 1872 – representada abaixo.

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A partir dessa potente obra de arte, iniciou-se a concepção que polegar para cima significava vida e que o contrário seria a morte do combatente. Então isso também nos serve de alerta sobre o poder simbólico de nossas expressões artísticas até mesmo para promover a construção de novos significados.

Resumindo, o que são emblemas? São gestos que possuem um significado previa e coletivamente negociado.

Ilustradores são gestos diretamente ligados à fala, tais gestos geralmente são utilizados para reforçar a fala do interlocutor. Se ficarmos mais atentos, perceberemos o quanto utilizamos as mãos para reforçar nosso discurso.

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Gesto Ilustrador, dedo apontando para os dedos. a criança reforça sua contagem verbal

Manipuladores são gestos feitos em direção ao nosso corpo ou a objetos, como por exemplo, esfregar as mãos, coçar, segurar botões, tocar a orelha etc.

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 Gesto manipulador, indicando ansiedade ou desconforto físico.

A utilização da palavra manipulador no lugar de “adaptador”

Você já deve ter lido, ou visto em vídeos na Internet, que o Dr. Ekman propôs um tipo de gesto como adaptador. Isso ocorreu em uma versão inicial de sua classificação e ele nos explica da seguinte forma (Ekman, 2004, p.43):

Originalmente nós (Ekman e Friesen 1969) chamamos esses movimentos de “adaptadores”, mas agora prefiro o termo mais descritivo “manipuladores”. Nesses movimentos uma parte do corpo manipula, de alguma forma – acariciando, pressionando, coçando, lambendo, mordendo, chupando, etc. — outra parte do corpo ou do rosto. Um objeto também pode ser objeto dessas ações, ou ser usado para realizar a manipulação. [grifo nossos]

Então, se você encontrar alguém falando de adaptadores e mencionando o Dr. Ekman, essa pessoa está um pouco atrasada e lendo os estudos de 1969…..

Qual a relação dos gestos com o nervosismo [e com a mentira]?

A primeira consideração a fazer é que não existe um único e definitivo indicador da mentira. isso se deve ao fato de que a mentira é o resultado de uma multiplicidade de processos picofisiológicos. Então, não há um centro da mentira e os seus indicadores são sempre intermediários desses processos.

Normalmente, os indicadores perceptíveis estão relacionados ao nervosismo. Cuidado, a pessoa que não fica nervosa ao mentir, não apresentará esses indicadores.

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Observado esse cuidado, é interessante perceber que tais gestos podem vir a ser utilizados como auxiliares na análise da mentira, pois os mesmos funcionam como complementos da linguagem verbal (em alguns momentos a substitui totalmente), os mesmos podem indicar o nervosismo associado à mentira, e presente na maior parte dos seres humanos.

Alguns tipos de gestos muitas vezes são apontados na literatura de autoajuda como “indicadores da mentira“, ou seja, se coçamos o nariz durante a fala, provavelmente estaremos mentindo, ou ainda, se começamos a gesticular mais rápido ou mais devagar também estaríamos mentindo, o que nem sempre é verdade.

Devemos observar o contexto e qual o comportamento padrão do interlocutor (ele sempre gesticula rápido ou devagar? gesticula muito ou pouco?), só assim poderemos perceber se de fato existe “algo errado” entre o que nos é falado verbalmente e não verbalmente.

O fenômeno mais importante é a variação da frequência tanto dos gestos manipuladores, quanto dos gestos dos ilustradores. Então a dica é verificar a quantidade de cada tipo de gesto que a pessoa faz por unidade de tempo. A partir dessa observação, verificar o que muda.

No caso dos ilustradores, a frequência aumenta quando a pessoa entra em um modo persuasivo e quer convencer as pessoas. A frequência dos gestos manipuladores aumenta quando a pessoa fica nervosa, então ela começa a se tocar. Quando ela se percebe agitada [ilustradores] ou se tocando demais [manipuladores] começa a realizar um controle conciente e a, então, a frequência cai em ambas a hipóteses.

Observe o vídeo abaixo:

Na imagem da direita, observamos Ted Band sendo entrevistado (1975) e percebe-se que está no “modo persuasivo“.  Existem ilustradores e também ocorrem muitos manipuladores. À esquerda, vemos outra entrevista, a dois dias de sua execução, em 1989. Veja a diferença na movimentação entre uma imagen e outra.

Conclusão sobre os tipos de gestos

Façamos um resumo sobre quais são os tipos de gestos:

Emblemas são sinais gestuais que, dentro de uma cultura, possuem um significado preciso, ou seja, são gestos independentes da fala. Como por exemplo ao balançar a cabeça em sinal de “sim” ou “não” ou levantar o polegar para cima, querendo dizer que está tudo bem.

Ilustradores são gestos diretamente ligados à fala, tais gestos geralmente são utilizados para reforçar a fala do interlocutor. Se ficarmos mais atentos, perceberemos o quanto utilizamos as mãos para reforçar nosso discurso.

Manipuladores são gestos feitos em direção ao nosso corpo ou a objetos, como por exemplo, esfregar as mãos, coçar, segurar botões, tocar a orelha etc.

Cuidado com as dicas sobre os gestos manipuladores serem indicadores da mentira. O que eles indicam é que a pessoa está nervosa. Uma das hipóteses para isso é a mentira, mas nem sempre será o real morivo para determinado nervosismo…..

Espero ter ajudado a entender quais são os tipos de gestos.

Veja mais no portal Ekman (em inglês)

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Referências

Bright, K. N. (2020). “Are You Not Entertained?”: The Portrayal of Gladiators in Popular Culture (Doctoral dissertation, University of West Georgia).

Efron, D. (1941). Gesture and environment. King’S Crown Press.

Ekman, P. (2004). Emotional and conversational nonverbal signals. In Language, knowledge, and representation (pp. 39-50). Springer, Dordrecht.

Ekman, P., & Friesen, W. V. (1969). The repertoire of nonverbal behavior: Categories, origins, usage, and coding. Semiotica1(1), 49-98.

Ekman, P. and Friesen, W. V. (1972). Hand movements. Journal of Communication, 22, 353-74.

Lacombe, N., Dias, T., & Petitpierre, G. (2022). Can Gestures Give us Access to Thought? A Systematic Literature Review on the Role of Co-thought and Co-speech Gestures in Children with Intellectual Disabilities. Journal of Nonverbal Behavior, 1-18.

Murray, S. (2003). Female gladiators of the ancient Roman world. Journal of Combative Sport, 7(3), 1-16.

Pires, Sérgio Fernandes Senna. Como a comunicação não verbal influencia o que falamos?. Disponível em: https://ibralc.com.br/como-comunicacao-nao-verbal-influencia-falamos/ . Acessado em: 14/04/2022

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