Em que medida nos interessa que as expressões faciais das emoções básicas sejam universais?
Um estudo publicado recentemente no Jounal of Experimental Psychology (Jack, Caldara e Schins, 2011) retoma um tema muito debatido nos anos 70 e 80: a suposta universalidade das expressões faciais relacionadas com seis emoções básicas.
Durante muitos anos, o debate se dividiu, principalmente, em dois grupos: os que defendem e os que negam a universalidade das expressões faciais como indicador de algo denominado e
moções básicas.
Majoritariamente, a corrente que defende a universalidade tem prevalecido, sustentando suas idéias com base na origem biológica e evolutiva da linguagem (por exemplo, Darwin, 1872; Susskind et . al, 2008). Essa corrente defende que as expressões faciais relacionadas às emoções básicas são diretamente ligadas ao funcionamento de nosso sistema nervoso autônomo, o que daria amparo a suposta existência de uma “linguagem universal das emoções” ( Izard, 1994; Matsumoto e Willingham,2009).
Por outro lado, existem estudos que destacam as diferenças culturais na cognição e no comportamento (eg. Nisbett e Masuda, 2003) e apontam a existência de dialetos culturais, mesmo na comunicação não verbal promovida pelas expressões faciais (eg. Marsh, Elfenbein e Ambady, 2003).
Conforme apontamos em um artigo disponibilizado aos nossos leitores no ano passado, esse debate tem sua relevância no campo acadêmico.
Muito da argumentação que sustenta a interpretação das expressões faciais para a identificação das emoções básicas se relaciona ao seguinte:
- as pessoas utilizam as expressões faciais como um display comunicativo;
- durante a socialização, aprendemos a reconhecer essas expressões e a interpretá-las;
- além disso, também aprendemos a utilizar as expressões para mostrar nossos sentimentos; e
- uma boa parte da reação das pessoas ao que fazemos e falamos está associada ao que expressamos no rosto.
Esses argumentos sustentam o viés cultural da utilização e interpretação das expressões faciais.
Por outro lado, certos movimentos do rosto são observados desde a mais tenra idade. A posição relativamente “fixa” de nossos músculos faciais, em certa medida, limita a quantidade de expressões que, mecanicamente, podemos realizar.
Diante disso, não é impossível, ou mesmo improvável que exista um nível biológico em sua produção já que ambos, movimentação mecânica de nossa musculatura facial e a ocorrência de nossas emoções estão diretamente relacionadas ao funcionamento do nosso sistema nervoso autônomo.
Em minha opinião, as duas correntes não são antagônicas, mas sim complementares. Uma delas enfoca uma fase inicial de nossas emoções, sua dimensão biológica (que não pode ser negada). A outra coloca sua ênfase nas modificações (modulação) que uma cultura pode realizar nessas mesmas expressões faciais e na forma que experimentamos as emoções, já que também é um fenômeno subjetivo e cheio de significados.
Creio que ainda assistiremos muito desse debate. Na verdade, quando o tema é ciência, esse debate entre culturalistas e evolucionistas e a aparente oposição de suas idéias não tem fim!
Para conhecer melhor alguns desses cuidados na interpretação da linguagem corporal, leia os artigos do Portal IBRALC.
Um abraço
Sergio Senna
Referências
Darwin, C. (1872). The expression of the emotions in man and animals (1sted.). London, England: John MurraIzard, C. E. (1994). Innate and universal facial expressions: Evidence fromdevelopmental and cross-cultural research. Psychological Bulletin, 115,288 –299
Matsumoto, D., e Willingham, B. (2009). Spontaneous facial expressions ofemotion of congenitally and noncongenitally blind individuals. Journal ofPersonality and Social Psychology, 96, 1–10. doi:10.1037/a001403
Jack, R.E., Caldara, R. & Schyns, P.G. (2011) Internal Representations Reveal Cultural Diversity in Expectations of Facial Expressions of Emotion. Journal of Experimental Psychology: General
Marsh, A. A., Elfenbein, H. A. e Ambady, N. (2003). Nonverbal “accents”: Cultural differences in facial expressions of emotion. Psychological Science, 14, 373–376.
Nisbett, R. E. e Masuda, T. (2003). Culture and point of view. Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States ofAmerica, 100, 11163–11170
Susskind, J. M., Lee, D. H., Cusi, A., Feiman, R., Grabski, W. e Anderson, A. K. (2008). Expressing fear enhances sensory acquisition. NatureNeuroscience, 11, 843– 850.
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