Mentir é uma questão moral ou emocional?
A mentira, em uma grande parte dos casos, é um problema de fundo moral. Ela também se manifesta por questões emocionais, como a incapacidade do mentiroso em lidar com suas próprias emoções. Nesse artigo, porém, vou enfocar as crenças e valores que nos orientam para a verdade ou para a mentira.
Como se formam nossas crenças e valores para a verdade?
Durante o nosso processo de desenvolvimento, ainda quando crianças, vamos construindo um sistema simbólico que nos ajuda a compreender o mundo e nele agir. Esse sistema simbólico é baseado em nossa linguagem e, aos poucos, vai se misturando com nossas emoções.
Para construí-lo, utilizamos certas fontes que podem ser os nossos pais, os membros de nossa família, professores, as comunidades das quais participamos, as mensagens escritas a que temos acesso, pessoas que nos oferecem modelos de vida e qualquer tipo de norma ou regra, entre muitas outras fontes que poderiam ser levantadas. A partir desse conjunto de símbolos que estão imbricados em nossas emoções, adquirimos a capacidade de conscientemente pensar e tomar as nossas decisões.
O que é autonomia para falar a verdade ou mentir?
Nesse contexto, uma pessoa autônoma é aquela que, a partir de todas essas fontes, constrói um sistema normativo pessoal que a auxilia a pensar, a tomar suas decisões e orienta todos os seus comportamentos. O núcleo desse sistema normativo são os nossos valores, que consistem em significados intensamente entrelaçados em nossas emoções.
Por esse motivo, uma pessoa que seja orientada pelos seus valores para respeitar a vida, encontrará muita dificuldade para matar alguém, ainda que em defesa própria. Os mártires cristãos amavam mais a Deus do que suas próprias vidas. Seus valores, intensamente orientados em direção a Deus, os conduziram ao sacrifício da própria vida. Quando questionados acerca de sua fé, preferiram morrer a negá-la.
De uma forma muito resumida, é assim que se forma o sistema normativo que orienta o nosso comportamento.
As crenças e valores individuais são, então, os critérios que regulam as nossas decisões e que, em última análise, orientam a pessoa para a mentira ou para a verdade. Caso essas decisões sejam organizadas pelo egoísmo, por exemplo, é possível que alguém lance mão da mentira para conseguir vantagens para si e para os seus. Creio que as esferas pública e privada padecem do mesmo problema pois, como anteriormente dito, a prática da mentira tem como fundo certas questões de ordens moral e espiritual.
Como a mentira se estabeleceu tão fortemente em nossa sociedade?
Essa é uma questão complexa. Existem diversas concepções que reinam por aí. Há algumas que, pretendendo defender o ser humano que é brutalizado, acabam por esvaziar-lhe o protagonismo.
É o caso daqueles que travestem o criminoso de vítima. Normalmente, é assim que se apresenta a argumentação:
– que culpa tem ele? Roubou? Era porque que não tinha bens. É uma vítima da sociedade.
– discursos voltados para dívidas históricas etc.
Em minha opinião, os intelectuais que introduzem esses discursos o fazem de boa fé, mas não refletem em como isso será apropriado no senso comum.
Já conversei com muito criminosos que se justificavam dizendo: roubei… mas que opção eu tinha? A culpa é da sociedade! Esse é um dos resultados da apropriação do discurso sociológico pelos criminosos.
Uma pessoa que não consegue refletir sobre o dano que causou a alguém, não conseguirá repará-lo. Esse é um dos resultados desse discurso sociológico da “culpa” social ou coletiva. Para a nossa reflexão é importantíssimo que reconheçamos esse problema da “sociologização” da mentira como forma de escapar às consequências de nossos atos. No final das contas, a “culpa” de algo que ocorreu é sempre socializada, incluindo aqueles que nada têm com os eventos ocorridos.
Essas concepções esvaziam o protagonismo do sujeito, pois quem não pode ser responsável pelas decisões que toma, não possui grande liberdade para decidir. Responsabilidade e liberdade são faces da mesma moeda. Uma depende da outra.
Minha intenção nesse breve artigo é provocar o debate. Falaremos mais sobre esse tema em breve. Prossiga acompanhando nossos artigos.
Saudações
Sergio Senna
Olá,
Muito interessante o artigo, principalmente no que se refere a socialização da culpa. Afim de aprofundar o tema, cito um trecho retirado do wikipedia:
“Maslow trouxe, para a psicologia que havia fundado, estes autores, agregando, ainda seus estudos sobre a pirâmide de necessidades humanas. Para ele, as necessidades fisiológicas precisam ser saciadas para que se precise saciar as necessidades de segurança. Estas, se saciadas, abrem campo para as necessidades sociais, que se saciadas, abrem espaço para as necessidades de auto-estima. Se uma destas necessidades não está saciada, há a incongruência. Quando todas estiverem de acordo, abre-se espaço para a auto-realização, que é um aspecto de felicidade do indivíduo.”
A socialização da mentira, e consequente falta de protagonização do ser humano, é influenciada pelos aspectos da pirâmide? A saber: Fisiologia, Segurança, Amor/Relacionamento, Estima e Realização Pessoal?
Alguém no estágio da Fisiologia compartilharia mais da mentira do que alguém no estágio da Realização Pessoal?
Só para deixar a questão no ar, que ao meu ver, não terá resposta definitiva, assim como o artigo em questão.
Abraços,
Edinaldo Junior