Você pode confiar no detector de mentiras? Um dos temas mais polêmicos sobre o uso do polígrafo é a sua confiabilidade. A partir do conhecimento científico, não é possível afirmar se o o polígrafo é realmente confiável nos níveis indicados por certos estudos [> 90%]. Sem dúvida alguma, caso a pessoa acredite que aquela máquina é apta para “extrair” a verdade, ela ficará mais propensa para conta-la espontaneamente.
Esse é um uso secundário do polígrafo: um dissuasor psicológico que faz a pessoa dizer a verdade por conta própria. Vemos esse uso em um documentário da Netflix intitulado “Cenas de um homicídio: uma família vizinha“. Esse documentário, usando materiais de filmagem em primeira mão, este documentário analisa o desaparecimento de Shanann Watts e suas filhas, além dos terríveis acontecimentos posteriores.
Em uma das filmagens, extraídas de vídeo gravados pela polícia, temos a utilização de um polígrafo. Nessa cena, a operadora do polígrafo, antes de usar a máquina, diz: “você sabe que agora apenas uma pessoa nessa sala sabe a verdade. Quando o teste terminar, serão duas….”.
Com essa fala, ela demonstra a intenção de criar na pessoa a ser testada a convicção de que a máquina será capaz de extrair a verdade. O que está bem longe de ser correto, mesmo considerando as melhores estimativas sobre a precisão do polígrafo. Afirmo isso com base no seu próprio funcionamento. O polígrafo é uma máquina que possui sensores para medir as alterações do Sistema Nervoso Autônomo [sobre isso veja o nosso artigo: O que é o detector de mentiras?].
Então ele não extrai mentiras, ele registra alterações no sistema nervoso, que pode ocorre por diversos motivos, incluindo fenômenos não relacionados à mentira. Isso se explica pela aplicação do princípio da equifinalidade ao comportamento humano.
No caso do suspeito mostrado no documentário acima mencionado, quase que imediatamente, ele começa a confessar o crime no qual assassinou sua mulher e as duas filhas. Então, nesse caso, o uso do polígrafo se deu como persuasor e não como extrato da verdade, mas o resultado foi a confissão realizada pelo suspeito [porque acreditou na conversa da investigadora] e a solução do crime.
Algumas perguntas interessantes sobre confiar no detector de mentiras
Alguém pode enganar o polígrafo?
Sim! Isso é feito alterando os sinais fisiológicos quando respondendo as perguntas-controle [perguntas que a pessoa não pode mentir], como confirmar o nome da mãe ou a idade. A pessoa atinge esse objetivo produzindo dor [mordendo a lingua, pressionando os dedos dos pés] ou imaginando algo traumático [1].
Alguém pode falhar ao polígrafo mesmo falando a verdade?
Sim! Algumas pessoas que estão dizendo a verdade podem falhar aos testes do polígrafo por tentarem controlar as respostas de seu corpo [2].
Tomar drogas [relaxantes musculares e outras] afeta o resultado do polígrafo?
Sim! Antidepressivos, como lítio, Prozac, Valium, Xanax e betabloqueadores, podem afetar o resultado de um exame de polígrafo [3], pois o seu efeito é alterar as reações fisiológicas diante de certas emoções. Entretanto, antes do teste, será perguntado se o sujeito está tomando algum tipo de medicação .
É possível afirmar que o polígrafo é preciso?
A American Polygraph Association, que estabelece padrões para esses testes, diz que os polígrafos são “altamente precisos”, mencionando uma taxa de precisão acima de 90% [4] quando feitos corretamente.
Os críticos, no entanto, dizem que a precisão dos testes se posiciona entre 50 e 70% e que os resultados não são confiáveis [5].
Palavras finais
Em 2010 adquiri um polígrafo para realizar testes, em minhas aulas, mostrando que confiar no detector de mentiras não é melhor do que usar a observação atenta do comportamento. Penso que sua utilização se popularizou nos Estados Unidos da América pelo fato de ser uma sociedade que sempre está à procura de meios objetivos e científicos para demonstrar as suas teses. Nesse caso, me parece que se apressaram….
Para conhecer mais sobre os polígrafos e sobre as técnicas de detecção de mentiras veja:
A mentira pelas impressões cerebrais
O que há de mais recente na detecção da mentira?
Quais são as técnicas para a detecção de mentiras?
Referências
[1] Widacki, J. (2018). James Q. Murdoch: How to Pass a Polygraph, San Bernardino 2018, 23 pp. European Polygraph, 12(1 (43)), 35-36. [2] Faigman, D. L., Fienberg, S. E., & Stern, P. C. (2003). The limits of the polygraph. Issues in Science and Technology, 20(1), 40-46. [3] Cook, L. G., & Mitschow, L. C. (2019). Beyond the polygraph: deception detection and the autonomic nervous system. Federal Practitioner, 36(7), 316. [4] Honts, C. R., Thurber, S., & Handler, M. (2021). A comprehensive meta‐analysis of the comparison question polygraph test. Applied Cognitive Psychology, 35(2), 411-427. [5] Ben‐Shakhar, G., & Iacono, W. (2021). Fallacies in the estimation of the validity of the Comparison Question Polygraph Test: A reply to Ginton (2020). Journal of Investigative Psychology and Offender Profiling, 18(3), 201-207.Matéria sobre o polígrafo e sua confiabilidade. [em inglês]